Delator diz que Odebrecht tentou impedir envio de provas do Panamá ao Brasil

Fernando Migliaccio, preso desde fevereiro de 2016, relata tratativas para retardar transferência de dados diretamente com o presidente do paraíso fiscal

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Por Breno Pires e Fabio Fabrini
Atualização:

BRASÍLIA - O ex-executivo da Odebrecht Fernando Migliaccio disse, em sua delação premiada, que, a pedido da empreiteira, o governo do Panamá segurou o envio de provas de corrupção solicitadas pela Operação Lava Jato. Em depoimento prestado ao Ministério Público Federal (MPF), ele contou que as tratativas para retardar o envio de informações às autoridades brasileiras se deram diretamente com o presidente daquele país. A Lava Jato fez em 2014 um pedido de cooperação ao Panamá para o envio de dados sobre o uso de contas bancárias no país, considerado um paraíso fiscal, para pagamento de propinas. Conforme Migliaccio, que chefiava o Setor de Operações Estruturadas, o "departamento de propinas da empreiteira", a empresa soube da requisição e enviou emissários para tentar barrar a remessa de documentos aos investigadores. Ele foi preso em fevereiro de 2016 na Suíça. Luiz Eduardo Soares, um dos subordinados de Migliaccio na Odebrecht, e Rodrigo Tacla Duran, apontado como um dos operadores financeiros da empreiteira no exterior, teriam viajado diversas vezes ao Panamá para articular com o diretor-superintendente do grupo no país, André Rabello, "a melhor forma" de "frear" uma colaboração com a Lava Jato. Migliaccio relatou ter ouvido de Soares que a Odebrecht estava tendo "sucesso" em retardar o envio de informações, devido à influência de Rabello. "O depoente tem conhecimento de que André Rabello tratou com o presidente do Panamá sobre o interesse da empresa em que o pedido de cooperação não fosse respondido às autoridades brasileiras", diz trecho do termo de colaboração do executivo. A reportagem não conseguiu contato com a Presidência do Panamá nesta terça-feira, 16. A embaixada do país em Brasília informou que só o embaixador poderia tratar do assunto, mas que ele não estava disponível. A Odebrecht, procurada, não se pronunciou. A operação para obstruir a Lava Jato, segundo Migliaccio, ocorreu após a Lava Jato ser deflagrada, em março de 2014. Ele não mencionou o mês nem nominou o presidente. Naquele ano, o Panamá foi governado por Ricardo Martineli até 1º de julho, quando foi substituído por Juan Carlos Varela, que permanece no cargo. Migliaccio revelou que foi informado sobre o andamento do pedido de colaboração até meados de 2015. Em junho daquele ano, foi preso o herdeiro e ex-presidente do grupo, Marcelo Odebrecht. A Lava Jato continuou encontrando dificuldades em receber informações do Panamá ao menos até o início do ano passado, conforme o relato de investigadores. Em fevereiro deste ano, procuradores do país firmaram um acordo para trocar informações sobre o caso Odebrecht com o Brasil e outros países. A Odebrecht mantinha contas no Banco Credicorp, no Panamá, por meio das quais movimentava dinheiro de corrupção. Migliaccio contou que o gerente da conta tinha acesso ao sistema Drousys, do departamento de propinas, e também avisou à empreiteira sobre o pedido de colaboração da Lava Jato. Migliaccio também contou à Lava Jato que os bancos que guardavam o dinheiro da corrupção no exterior cobravam uma comissão para movimentá-lo. O valor era dividido com os executivos do setor de propinas e agentes da empreiteira no exterior.

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