De São Bernardo, o 'Feliz Ano Velho' ao companheiro

Velhos companheiros de Lula imaginam poder dividir com ele a mesa do bar da Rosa e jogar truco no regresso ao berço político

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Foto do author Fausto Macedo
Por Fausto Macedo e SÃO PAULO
Atualização:

Saúde, prosperidade e feliz ano velho, companheiro Lula – são os votos do chão da fábrica ao ex-presidente que está de volta a São Bernardo do Campo, sua primeira república, após a longa jornada em Brasília.

 

O pessoal, e são tantos os amigos que o aguardam para pôr a conversa em dia, presume que Luiz Inácio Lula da Silva vai tocar uma agenda menos atribulada e retomar sua antiga rotina de líder sindicalista, dos anos 70.

 

Andam empolgados com o regresso do "Baiano", que é como os veteranos da greve ainda o chamam, embora de Garanhuns, Pernambuco.

 

Haverá de visitar e rever a todos que aqui deixou, cada lar e cada esquina da cidade que o abrigou e lhe deu um lugar com distinção na História.

 

Planejam recebê-lo nos endereços mais toscos e simples, do gosto do ex-presidente.

 

Eles o imaginam de volta, sem preâmbulos e acanhamentos, às mesas bem servidas de polenta, torresmo e frango a passarinho do Demarchi, do mocotó do Zelão ou no churrasco animado do Los Fubangos, o rancho despojado de que é dono, no Jardim Borda do Campo, à beira da Billings.

 

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"Acredito que o Lula voltará para o ABC mais militante do que nunca, com novas tarefas e mais tempo para a família, os amigos e a rotina que tinha antes de ser presidente", depõe Humberto Tobé, do Macro PT ABC, articulação da legenda na região.

 

Chuleta. Será bem-vindo ao Chuleta Gijo’s, no Assunção, do outro lado da Anchieta. Gijo é como Lula e toda a cidade chamam Juno Rodrigues Silva, de 68 anos, que foi apontador da Karmann Ghia, hoje dono do restaurante que o ex-presidente aprecia desde aqueles tempos – seu prato preferido é a chuleta paulista, um contra filé acompanhado de guarnição de fritas, arroz, feijão, salada mista. Sai a R$ 47, dá para dois, mas para Lula fica de graça. "Pode vir, meu amigo, você vai se sentir em casa como sempre", convida Gijo.

 

Acreditam até no retorno glorioso à famosa Rua João Basso, onde fica o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, por ele dirigido durante cinco anos, desde 1975 até 1980, quando os homens do Dops o aprisionaram por violação à Lei de Segurança Nacional.

 

"Ele gosta de frequentar o sindicato, é disso que ele gosta", anota José Lopez Feijóo, de 61 anos, que presidiu o grande reduto dos metalúrgicos mais recentemente, sucedendo a Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo. "O Lula gosta mesmo é de porta de fábrica, da peãozada."

 

A rotina de atos, decretos e demais procedimentos presidenciais dará lugar à tranca e ao truco no bar da Rosa, é o que esperam dele. O bar da Rosa fica na quadra de cima do sindicato. Era uma quitanda mal-ajambrada de japoneses que vendiam uma cachaça de boa reputação por toda a região que atraía aqueles operários em greve. Finda a assembleia, lá iam eles. Tanto peão que Rosa mal dava conta.

 

"O Lula não tem frescura, é um cara simples. A gente vinha beber aqui", recorda-se Isaías Karrara, que foi metalúrgico até 1986 e hoje preside outro sindicato, o dos gráficos do ABC.

 

Karrara almoça um frango ensopado com arroz e feijão na mesinha forrada de plástico azul enquanto fala do regresso de Lula. Mas ele tem lá suas desconfianças. No duro mesmo não parece convencido assim da volta do companheiro para cotidiano tão despretensioso.

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Não que o ex-presidente tenha sido tomado pela soberba, avalia Karrara. É que agora, e não há como ser diferente, Lula é cidadão ilustre, que alcançou grande posição na vida, merecedor de reconhecimentos e reverências por este mundo afora. Homem de Estado, por assim dizer.

 

Redobrados devem ser os cuidados com a imagem e o decoro, recomendam os de sua época. "O Lula vai voltar para cumprimentar o seu povo, mas não para sentar aqui e ficar bebendo umas e outras", assevera o gráfico.

 

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Improvável que vá retornar aos recantos pelos quais seus seguidores e ele passaram. "O Lula não é mais o Lula de 1980, ele não é um cidadão normal como antigamente, por mais que ele queira", atesta Djalma de Souza Bom, de 71 anos, mineiro de Medina, o eterno companheiro das greves que hoje se dedica ao coral da terceira idade da USP e à seresta das quartas-feiras na oficina do Pereira, nessa rua de Pinheiros, onde mora com a mulher, Lisy, professora.

 

Enigma. Na parede do apartamento de 82 m², Djalma pendurou a foto em que aparece ao lado de Lula no aniversário de 33 anos de casamento do ex-presidente, em 2007. "Em Brasília, o Lula deve estar olhando para todos nós e perguntando: ‘Decifra-me ou eu te devorarei’. Eu arrisco a responder que o Lula não vai pendurar a chuteira, vai viajar pelo mundo e assumir de vez a bandeira da fome zero. O Lula não é mais o mesmo Lula de 1980, presidente do sindicato."

 

Rubão também o espera. Antigo camarada de lutas, vice de Lula no sindicato, hoje com 73 anos, Rubens Teodoro de Arruda foi metalúrgico da Mercedes. Lembra-se de uma "época muito boa", do clube que frequentavam na Rodovia Índio Tibiriçá, perto de Suzano. "A gente se reunia ali para um futebol. O pessoal bebia muito. Mas o clube fechou", lamenta.

 

"O Baiano vai voltar, mas acredito que ele vai ser chamado para fazer palestras e ganhar um bom dinheiro", arrisca Rubão. "Não acredito que vai ficar por aqui. É outro estágio por natureza. Aqueles momentos já passaram. Talvez não voltem mais. Ele tem outra estrutura. E tem a Dilma. Queira ou não, ela vai querer conversar muito com ele."

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