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‘Como dizia Ulysses, às vezes, a rua é maior que a eleição’

Sem definir sua posição sobre o impeachment, governador diz que crise não pode resultar em aventura ou em violência

Por Luiz Maklouf Carvalho
Atualização:
  Foto: PEDRO H. TESCH | ESTADÃO CONTEÚDO

O governador do Rio Grande do Sul, Ivo Sartori – do PMDB que somou com o tucano Aécio Neves no 2.º turno de 2014 – já pulou a fogueira do impeachment que a presidente Dilma Rousseff ainda vai tentar pular. No caso dele, o pedido chegou na Assembleia Legislativa do Estado em outubro do ano passado. A advogada Letícia de Souza Furtado, filha de uma policial civil, alegou, entre outros motivos, que o governador praticara crime de responsabilidade por descumprir ordens judiciais para pagar em dia os servidores públicos.

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Sartori realmente parcelou os salários do funcionalismo – provocando protestos e greves. “O parcelamento de salários não é ato de vontade do governador, mas fruto da condição financeira do Estado e da própria economia nacional”, disse o governador em entrevista ao Estado. “O governo está agindo com responsabilidade fiscal. O pedido não tem qualquer procedência e não ajuda a resolver o problema.” O pedido foi arquivado pelo presidente da Assembleia Legislativa, Edson Brum, em dezembro do ano passado, por “falta de fundamento”.

Em nota, Letícia de Souza Furtado diz que o pedido não teve seu mérito julgado e que seu arquivamento ocorreu no juízo de admissibilidade "sob o fundamento de que os fatos não foram enquadrados na Lei nem foram provados com documentos". A advogada alega, no entanto, que "ambas as coisas foram feitas, e, por essa razão, a motivação do ato está sendo questionada judicialmente." Com relação à crítica de Sartori, Letícia afirma que o fim da denúncia de responsabilidade não é "ajudar a resolver o problema" e que "'resolver o problema' é papel do administrador." 

No caso do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, que tramita na Câmara dos Deputados, o governador gaúcho, embora dando a entender que é a favor, não quis declarar-se claramente. “Às vezes, a rua é maior que a eleição”, disse, sem dizer de que lado da avenida se encontra.

Em dezembro passado, quando o processo de impeachment começou a tramitar, o governador divulgou uma nota a respeito. “Não cabe a mim fazer juízo de mérito sobre o processo, que deverá ter seu transcurso no esteio de todas as garantias constitucionais existentes”, afirmou.

No começo deste ano, em entrevista para o programa Frente a Frente, da TVE gaúcha, disse o que seus entrevistadores entenderam como uma posição contrária ao impeachment da presidente Dilma Rousseff: “Pelo que está posto no processo, mesmo que as pessoas sejam de alta respeitabilidade jurídica e constitucional, acho que até o momento não existe isso, tem que aparecer uma coisa muito mais concreta e objetiva para dar curso a essa situação”. Na entrevista, realizada no começo da noite de quinta-feira, pelo telefone, Sartori disse que foi “mal-interpretado”.

Como o sr. está vendo este cenário de crise e a discussão do impeachment da presidente Dilma Rousseff ?

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O cenário nacional é muito difícil, inclusive institucionalmente. Além da crise econômica, e da crise social, atinge os Poderes da República, porque todos têm que se posicionar. O Brasil sempre teve capacidade para superar impasses e conflitos institucionais de forma serena e tranquila. O que não pode é essa crise se transformar nem numa aventura e muito menos numa coisa que gere violência. O que nós precisamos é formar governos estáveis e políticas que sejam verdadeiramente consensuadas, para servir a todos.

Qual é o ponto que lhe preocupa mais?

A questão da corrupção e da desorientação ética destroem a confiança daquilo que nós lutamos para construir, que era o processo democrático. Com isso, a nossa vida política se pulveriza, há uma desconfiança generalizada e a sociedade perde a confiança em construir um futuro melhor.

O sr. é contra ou a favor do impeachment da presidente Dilma?

Tem a rua, tem a cidadania. Como dizia Ulysses Guimarães: “às vezes, a rua é maior que a eleição”. No entanto, é preciso respeitar as instâncias de deliberação do Congresso Nacional e os procedimentos que estão sendo definidos pelo Supremo Tribunal Federal.

E quanto ao mérito – contra ou a favor?

Essa é uma decisão soberana do Congresso Nacional. Se eu fosse congressista, teria minha opinião, minha posição, mas agora eu sou governador de todos os gaúchos.

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Na entrevista ao programa Frente a Frente, no dia 5 de janeiro, o sr. parece ter se posicionado contra o impeachment, por não ver elementos para o crime de responsabilidade.

Eu não colocaria dessa forma. Eu sempre acreditei, na questão da responsabilidade formada, que os congressistas saberão decidir. O Congresso vai ter esse papel e olhar o que precisa fazer, como vai enfrentar essa situação, sem prejudicar a questão institucional. Agora, não me cabe afirmar peremptoriamente se deve ser essa ou aquela posição.

Qual é a sua preocupação maior?

Essa situação é nova, diferente da situação política que havia em 1992, com o Collor, que não tinha muita sustentação. Agora a realidade política é outra. Existe um lado que tem sustentação e que tem capacidade. O processo de impeachment que está hoje em discussão tem tanto uma dimensão política como uma dimensão jurídica – e ambas são legítimas. Temos que respeitar, acima de tudo, as normas estabelecidas pela Constituição.

Como o sr. vê o futuro próximo nos dois cenários – a presidente Dilma ficando ou saindo?

Se ela deixar de estar no poder, se for declarado o impeachment, nós temos que construir coletivamente uma caminhada positiva para recuperar a nossa economia, com responsabilidade política, sem fantasia populista, num Estado que não seja tão centralizador, em que se resolvam os problemas fundamentais.

E se não houver o impeachment?

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Aí, diante da descrença e da desconfiança generalizada sob o ponto de vista ético, eu não sei como ficará a situação. Muita coisa precisa ser mudada – e há muita dificuldade para fazer essas mudanças. Não se sabe como a rua vai se comportar daqui para frente e, repetindo, a rua é maior que a eleição. O que nós precisamos ter, independentemente de quem assuma, é a redução das dificuldades nacionais, a recuperação econômica. Temos que superar esse poder público, que só sabe olhar para dentro e para os seus. Quem quer ser governo tem que ser um governo plural, democrático, que olhe para todos e não fazer um governo para o seu partido.

Se houver o impeachment, quem assume a presidência é o vice Michel Temer, de um PMDB que não é o seu...

Na última eleição [2014], como candidato a governador, eu apoiei Eduardo Campos, depois Marina Silva e, no 2.º turno, por decisão dos partidos que me apoiaram, o Aécio Neves. Então, estou muito a cavaleiro e muito tranquilo em relação à minha postura. Já em maio de 2003, como deputado federal, eu já falava que se instalava no governo um sistema de cooptação, que eu era contrário. Disse que o PMDB poderia apoiar, pelo bem do País, o que fosse interessante, mas sem participar do governo. Sempre afirmei que o PMDB teria uma certa acomodação e que iria se jogar para interesses e práticas políticas de resultados muito duvidosos.

E agora que o PMDB de Temer resolveu abandonar o governo?

Agora, diante da realidade, não coloco de antemão a questão do Michel Temer como possibilidade de assumir. Eu prefiro que primeiro seja feito todo o processo normal, legal, juridicamente perfeito.

Alguma mensagem para o PMDB que saiu do governo?

Eu espero que o PMDB, dentro da últimas decisões que tomou, também seja capaz de fazer uma autocrítica e tenha vínculos sociais e programáticos muito mais profundos.

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Além de entregar os cargos, não?

É isso aí, é isso aí.