Comissão discute afrouxar propostas anticorrupção

Deputados que analisam as medidas levadas pelo MPF querem alterar pontos centrais do pacote, entre eles a criminalização do caixa 2 e o aumento da pena de corrupção

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Foto do author Beatriz Bulla
Por Julia Lindner , Beatriz Bulla , Fabio Serapião e Isabela Bonfim
Atualização:

BRASÍLIA - Parlamentares da comissão especial que analisa as medidas anticorrupção apresentadas pelo Ministério Público ao Congresso já articulam mudanças em pelo menos quatro pontos centrais do pacote – a criminalização do caixa 2, o aumento da pena para corrupção, a possibilidade de que provas ilícitas sejam consideradas válidas se forem colhidas de boa-fé e a hipótese de prisão preventiva para a recuperação de recursos desviados.

Deputados têm discutido o tema em encontros reservados com advogados. Eles resistem a expor publicamente o desconforto com as medidas propostas, já que o projeto chegou à Câmara com o apoio de 2 milhões de assinaturas, recrutado por representantes da força-tarefa da Lava Jato e pelo juiz Sérgio Moro.

Moro fala em comissão da Câmara que discute medidas anticorrupção Foto: André Dusek

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A criminalização do caixa 2, hoje um ilícito eleitoral, é um dos pontos mais polêmicos e tem causado reações entre parlamentares, que debatem a melhor forma para evitar o endurecimento da legislação sobre a prática. O Ministério Público Federal quer responsabilizar não só pessoas físicas, mas também os partidos que praticam o caixa 2. Apesar de a discussão na comissão ter como base as 10 medidas do MPF, ainda não há um texto final do projeto e os deputados estudam como modificar a proposta original sem rejeitar a medida toda.

Para o presidente da comissão, Joaquim Passarinho (PSD-PA), com o fim do financiamento eleitoral, “praticamente acabou o problema do caixa 2” e é preciso analisar uma nova forma de abordar a questão. A principal tese em discussão é separar crime eleitoral de propina.

Aliado do deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Carlos Marun (PMDB-MS), avaliou que a criminalização do caixa 2 só será aprovada se houver uma distinção entre a prática – que consiste na doação ou recebimento recursos não declarados à Justiça Eleitoral – e o recebimento de dinheiro oriundo de corrupção.

“A propina tem uma relação de causa e efeito, tem que haver fato gerador com o benefício tendo se materializado e em contrapartida o beneficiado ter feito pagamento para algum agente político. Se não houver essa diferenciação, tudo vira propina”, disse Marun.

O relator da comissão especial, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), concorda que é necessário “separar o joio do trigo”.

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Delações. A tese, contudo, enfrenta resistência no próprio colegiado. Para o deputado Wadih Damous (PT-RJ), essa seria uma forma de blindar parlamentares e protegê-los de delações em curso, como a da Odebrecht.

Na opinião de Rubens Bueno (PPS-PR), que é suplente na comissão, fazer a distinção entre caixa 2 e o recebimento de propina seria um “eufemismo”. “É uma forma de fugir da Justiça, acho que o caixa 2 tem que ser julgado como propina também.”

Para o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a criminalização do caixa 2 e o aumento da pena para crime de corrupção são a base fundamental das dez propostas do MPF e, por isso, “precisam ser avaliados com toda atenção pelos deputados”. “É preciso observar o que vem acontecendo na política nacional para entender por que esses são os aspectos importantes”, disse. “Sinto no meu dia a dia que a sociedade tem uma expectativa positiva com que o Congresso pode fazer com essas medidas. Estamos sob os olhares de milhões de brasileiros.”

Passarinho considera que o “primeiro impacto” das propostas é “ruim” e que alguns pontos sugeridos podem ser modificados. Sobre o aumento da pena para crimes de corrupção, por exemplo, o deputado afirma que “não é em razão do tamanho da pena que as pessoas são corruptas”.

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Provas. O presidente da comissão especial admite que outra medida polêmica é a possibilidade de provas consideradas ilícitas serem validadas pela Justiça se for comprovado que foram colhidas “de boa-fé”. A nulidade de provas é um dos principais caminhos usados atualmente por criminalistas para tentar derrubar investigações. As operações Satiagraha e Castelo de Areia são exemplos de grandes apurações que acabaram enterradas em razão do uso de provas ilícitas – como escutas telefônicas sem autorização judicial.

As 10 Medidas Contra a Corrupção foram entregues ao Congresso no fim de março. A comitiva contou com a presença do procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa em Curitiba. Em meio à turbulência do afastamento de Cunha (PMDB), o pacote ficou nas gavetas da Câmara até junho, quando o presidente interino da Casa, Waldir Maranhão (PP), criou a comissão especial para discuti-la. Alguns dos principais partidos da Casa – PMDB, PT, PP, PSC e PCdoB – protelaram a indicação de nomes para compor o colegiado. A comissão só começou a funcionar no início deste mês. 

Nova arena. O primeiro encontro da Comissão Especial que analisa as 10 Medidas Contra a Corrupção ocorreu com a presença do juiz federal Sérgio Moro. O condutor da Lava Jato na primeira instância abriu os debates. Defendeu o fim do foro privilegiado, a criminalização do caixa 2, a possibilidade de uso das provas classificadas como ilícitas e a realização do teste de integridade para funcionários públicos. Na semana passada, o procurador Deltan Dallagnol foi direto ao ponto ao se dirigir aos deputados: “Os senhores, eventualmente, podem discordar da solução, mas então precisamos de soluções alternativas”, disse. “Do jeito que está, não ficará. Ou vai piorar ou vai melhorar. Essa decisão está nas mãos dos senhores.”

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Na outra ponta, advogados que atuam na Lava Jato cobram mudanças no texto original. Para o criminalista Pierpaolo Bottini, que tem entre seus clientes Cláudia Cruz, mulher do deputado afastado Eduardo Cunha, e o ex-presidente da Camargo Corrêa, Dalton Avancini, avalia que o pacote exige um debate amplo e não deve ser votado “a toque de caixa”. “Essas dez medidas precisam ser aprimoradas. É um tema relevante demais, mexe com garantias e liberdades.”