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Comissão da Verdade inocenta ex-presos políticos por atentado em Recife

Na mesma audiência, atestado de óbito indicando tortura como causa da morte de estudante em 1971 foi entregue à família

Por Angela Lacerda
Atualização:

Recife - A Comissão Estadual da Verdade Dom Helder Câmara apresentou nesta terça-feira, 10, no Recife, documentos dos órgãos de segurança pública que inocentam o ex-deputado federal Ricardo Zarattini e o engenheiro Ednaldo Miranda, falecido em 1997, da autoria do atentado a bomba no aeroporto internacional dos Guararapes, no Recife, em 1966, durante a ditadura militar. Duas pessoas morreram e outras 14 ficaram feridas na explosão.Zarattini e Miranda foram acusados de atentar contra o general Arthur da Costa e Silva. O então candidato a presidente da República era esperado no aeroporto naquele dia, mas decidiu fazer de carro a viagem, saindo de João Pessoa (PB). Zarattini e a viúva de Ednaldo, Maria Lucila Miranda, receberam o documento com o carimbo "confidencial" do Serviço Nacional de Informações (SNI) das mãos do governador Eduardo Campos (PSB), que instituiu a comissão estadual da verdade através de lei em junho do ano passado. O documento afirma que o autor do atentado foi o militante da Ação Popular (AP) Raimundo Gonçalves de Figueiredo, "numa ação isolada, à revelia do comando da AP". Zarattini relembrou, em discurso, que ele e Ednaldo enfrentaram torturas nas dependências do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e da Aeronáutica para confessar um crime que não cometeram. Ele foi preso, conseguiu fugir e não chegou a ser condenado pelo crime. Já Ednaldo Miranda foi condenado a dois anos de prisão. Emília Miranda, filha de Ednaldo, afirmou que a vida do pai foi marcada por este episódio e agradeceu emocionada pelo resgate da verdade. Retificação. Na mesma a audiência, a Comissão da Verdade retificou, por determinação judicial, a certidão de óbito do estudante Odijas Carvalho de Souza, aluno do curso de Agronomia na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), que fazia militância política contra o regime de exceção e foi morto em 1971. O documento, que indicava que ele havia morrido por causas naturais, foi alterado para informar que ele havia sido alvo de "homicídio por lesões corporais decorrente de atos de tortura" e entregue à viúva, a socióloga Maria Lucila Bezerra.Em seu depoimento, Maria Lucila, que também foi presa no Recife junto com o marido, lembrou da angústia, de não ter notícia do paradeiro do marido. Ela contou que Odijas sempre cantava a música "Foi um rio que passou em minha vida", de Paulinho da Viola, e, certo dia, no pátio da prisão, assoviou a música em direção à ala onde companheiros seus estavam presos. E recebeu em troca, também assoviada, uma música que falava em morte. Foi assim que soube que Odijas havia sido assassinado.O governador Eduardo Campos afirmou que, num dia simbólico em que se comemora o dia internacional dos direitos humanos, duas mentiras vieram à tona com o trabalho da comissão. A morte de Odijas foi considerada por ele "um crime político pelo Estado Brasileiro, pelo arbítrio" enquanto a versão inverídica do atentado a bomba foi utilizado para dividir a resistência ao golpe militar. Ele pregou a continuação das investigações pela comissão. O coordenador da comissão, o ex-deputado Fernando Coelho, ressaltou a dificuldade de conseguir documentos comprobatórios da época, pesquisados no Arquivo Nacional. "Houve até um golpe de sorte porque eles tiveram tempo e tiraram muita coisa dos arquivos." Coelho informou que, depois que a comissão for encerrada, mais de 50 mil documentos serão expostos em um "memorial da democracia" para que os historiadores e interessados continuem trabalhando.

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