‘Com menor poder econômico, maior é a legitimidade’

Para representante do Ministério Público no TSE, eleições municipais neste ano devem traduzir melhor vontade popular

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Por Beatriz Bulla e Brasília
Atualização:
Nicolao Dino, vice-procurador-geral eleitoral 

O fim do financiamento de pessoa jurídica a campanhas políticas fez com que a disputa eleitoral de 2016 se desenvolvesse com muito menos dinheiro, o que deve trazer reflexos positivos no resultado das eleições que acontecem hoje. Essa é a avaliação do vice-procurador-geral eleitoral, Nicolao Dino, responsável pela atuação do Ministério Público no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Para ele, eleições menos contaminadas pelo poder econômico podem aproximar a vontade popular do resultado das urnas. “Há presença menos ostensiva do poder econômico como fator determinante do resultado das eleições. Isso pode trazer, sim, uma consequência positiva em termos de formação de representação política”, disse Dino, em entrevista concedida ao Estado.

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Esta é a primeira eleição com as novas regras de financiamento e da minirreforma eleitoral de 2015. Qual mudança é vista até agora nesta eleição? Já percebemos de início que as campanhas se desenvolveram com muito menos dinheiro. O fato de não haver doação de pessoa jurídica repercutiu diretamente no volume de dinheiro que as campanhas estão movimentando. Nesse primeiro momento, há presença menos ostensiva do poder econômico como fator determinante do resultado das eleições. Isso pode trazer uma consequência positiva em termos de formação de representação política. Quanto menor o risco de interferência abusiva do poder econômico, melhor para a legitimidade do resultado, que torna mais autêntico sob o ponto de vista da vontade popular.

Há políticos que reclamam do fim do financiamento por empresas e da imposição de uma campanha mais barata. A eleição tem de ser mais barata. Não faz sentido trabalhar com a perspectiva de os mandatos nas Casas Legislativas serem conquistados pela presença de milhões e milhões de reais em uma disputa eleitoral. Os candidatos têm de ser mais criativos. As redes sociais estão aí para aproximar candidato e eleitor, não passando necessariamente por campanhas milionárias com estratégias pirotécnicas em termos de volume de dinheiro.

O TSE tem divulgado informações sobre doação por parte de beneficiários mortos de programas sociais. Fraudes são causadas pelo novo sistema de financiamento ou a localização delas é que é novidade? Vou pela segunda linha. A fraude sempre se fez presente enquanto fenômeno de distorção de procedimentos. Ela vai mudando, se adaptando, se sofisticando. O que está acontecendo agora é precisamente isso: as instituições estão mais aparelhadas no que se refere à detecção dos mecanismos de fraude, com cruzamento de dados, com bancos eletrônicos. Isso tem facilitado muito a detecção da irregularidade, como beneficiários de Bolsa Família aparecendo como doadores de campanha. Há um pool de órgãos, do qual o Ministério Público faz parte, que troca informações e tem apresentado esse resultado que me parece satisfatório.

Parlamentares ensaiaram um movimento no sentido de anistiar a prática de caixa 2. Hoje podemos dizer que caixa 2 é crime? É uma preocupação permanente a questão do caixa 2. São crimes lateralmente fixados, não é exatamente caixa 2. O crime é hoje, pela legislação, a corrupção, a lavagem, a prestação de contas com dados falsos. Esses crimes estão previstos na legislação. Mas há outras situações que não estão contempladas, o próprio manuseio e uso de recursos não contabilizados. O projeto de lei que está sendo discutido prevê isso e prevê ainda medidas de responsabilização dos partidos políticos em razão dos recursos não contabilizados. Hoje, a previsão na lei é o ressarcimento, mas os partidos não sofrem nenhuma consequência.

A campanha de 2016 foi curta. A Justiça vai conseguir responder todos os questionamentos de candidatura antes das eleições? Nesta eleição houve vários fatores que precisam ser considerados. Primeiro, o encurtamento da campanha que começou mais tarde, as convenções foram realizadas mais tarde, os pedidos de registro vieram mais tarde. A eleição municipal é muito pulverizada, temos um País de dimensões continentais. Todo o processo de registro e impugnação se desenvolve em primeiro grau, das decisões de juízes de primeiro grau há recursos para os Tribunais Regionais Eleitorais e das decisões dos TREs cabem recursos para o TSE. E, em razão do abreviamento do calendário eleitoral, a consequência qual é? Muitos candidatos vão disputar na pendência de impugnações.

Tivemos recentemente mortes em Goiás que atingiram um candidato. O MP nota um aumento da violência em questões eleitorais? Nesta eleição notei um acirramento, sim. Houve vários fatos, episódio no Rio envolvendo também candidatos, no Nordeste também. Isso é preocupante.

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Isso é uma questão conjuntural ou são casos isolados? O caso do Rio precisa ser analisado de forma mais profunda. Há um agravamento na presença do crime organizado. Agora mesmo foi divulgado que a realização de propaganda está sendo condicionada ao pagamento de valores para organizações criminosas, o que é preocupante. Há uma grave crise estrutural de segurança pública. O crime organizado está até tentando apresentar candidatos. Isso é muito sério. O Rio merece um olhar especial do Estado como um todo, das instituições como um todo.