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Collor não tinha a base social que Dilma e o PT têm, diz ex-líder cara-pintada

Hoje senador, Lindbergh Farias vê diferenças entre manifestações de 1992 e de 2015 e diz não haver aliança automática com Renan para sustentar governo

Por Ricardo Brito
Atualização:

Liderança estudantil que comandou os "caras-pintadas" há 23 anos, nos atos pela queda do então presidente Fernando Collor, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), diz que há "muitas diferenças" entre as manifestações que antecederam a renúncia de Collor e os protestos que pedem o impeachment de Dilma. Argumenta que no primeiro, o esquema PC Farias pagou contas pessoais dele e, no caso da presidente, não há nada que a ligue diretamente a irregularidades.

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Em entrevista ao Estado, o senador classificou como frágeis as tentativas de retirar a presidente Dilma do poder a partir de uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Acho frágil sete ministros do TSE tomarem uma decisão de afastar uma presidente."

Como Fernando Collor, seu colega de Senado, Lindbergh também faz parte da lista de investigados da Lava Jato, mas afirma nunca ter roubado ou participado de algo errado na Petrobras. E acusa a operação de seletividade: "É o que o Lula diz: quando doa para o PT, é dinheiro sujo; quando é para o PSDB, é caridade de instituição filantrópica!"

Para o senador petista, a agenda do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), é uma tentativa de se criar um parlamentarismo branco. Embora admita que a ajuda do peemedebista deu fôlego ao governo Dilma Rousseff, Lindbergh avisou que há discordância em "muitos pontos".

O senador Lindbergh Farias (PT-RJ) durante entrevista exclusivaem seu gabinete no Senado Federal em Brasilia. Foto: André Dusek/Estadão

"O Senado virar um contraponto à Câmara, isso é muito positivo, deu um respiro ao governo. Mas isso não significa que há um comprometimento com esses pontos da agenda que Renan está construindo", diz. Considera ainda que o ministro da Fazenda, Joaquim Levy "fracassou" nos seus propósitos e que oferece três anos de recessão.

A seguir, os principais pontos da entrevista:

Os protestos de domingo devem pedir o impeachment de Dilma. As manifestações serão decisivas para o futuro da presidente como foram no governo Collor?

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Sou plenamente a favor das manifestações. Faz parte da democracia ir para as ruas. Agora, há muitas diferenças daquele e deste momento. Ao contrário do que alguns falam, o impeachment de Collor não foi por causa do Fiat Elba. Foi só o começo. Tinha fatos objetivos, o esquema PC Farias pagou as contas pessoais dele. Hoje não há nada que ligue diretamente à presidente. Manifestação é legítimo. Só não pode ser assim: não elegi o meu candidato, estou discordando da presidente, então vou colocar para fora. Processo de impeachment é mais consistente. Tenho muita preocupação que a gente vá para um caminho de radicalização política como na Venezuela.

Não vê possibilidade de cassação do mandato de Dilma via TCU ou TSE?

Não é só isso. As pedaladas fiscais, isso é uma grande "forçação". Isso acontecia desde o governo FHC e acho que o TCU tem de dizer que isso não pode mais acontecer. É de uma fragilidade muito grande usar este ponto para construir um impeachment de alguém que não tem um ano de mandato. Também acho frágil sete ministros do TSE tomarem uma decisão de afastar uma presidente.

Mesmo se ficar comprovado que o esquema de corrupção da Petrobras abasteceu a campanha de Dilma?

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A presidenta nunca aceitaria um centavo de recursos que não fossem lícitos na sua campanha. O que está em crise no País é o sistema falido de financiamento eleitoral. Lá em Curitiba tem havido delações de empreiteiros e não perguntam sobre os Estados. É o que o Lula diz: quando doa para o PT, é dinheiro sujo; quando é para o PSDB, é caridade, de instituição filantrópica!

O senhor está dizendo que a investigação é dirigida ao PT?

Falta ampliar o escopo, não é só a Petrobras. Como é o modus operandi das empreiteiras nos Estados? Doa para um governador do PSDB e tem obra no Estado, será que nos Estados funciona de forma diferente? Não! Esse modus operandi atinge todos os partidos. A Andrade Gutierrez doou R$ 14 milhões para Dilma e R$ 24 milhões para o Aécio. Para Dilma pode ter sido dinheiro sujo da Petrobras, mas a Andrade Gutierrez é sócia de Furnas em Minas Gerais. Há um grau de seletividade muito grande nesse escândalo. Nós sabemos do desgaste do PT e do governo e vamos fazer o enfrentamento mais duro agora. Só não vamos aceitar esse linchamento.

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E se as ruas pedirem o afastamento de Dilma?

O movimento do Collor foi muito grande e praticamente se criou um consenso na sociedade. Não tinha mais ninguém do lado dele. Collor não tinha base social. Nós sabemos das dificuldades que o governo e o PT estão passando, mas temos bases sociais, ela se reaglutinou de um mês para cá. Esta semana tivemos 70 mil pessoas na Marcha das Margaridas, temos o MST e outros movimentos. Ainda temos uma capacidade de reação. No mês de agosto, considerado terrível, Dilma tem conseguido vitórias pontuais. O TCU adiou o julgamento das contas para setembro. O presidente do Senado, Renan Calheiros, separou-se do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que ficou mais fragilizado. Houve uma reação do PSDB ao pronunciamento do Michel Temer e a ala de Aécio Neves defendeu convocação de eleições diretas. Não há saída constitucional para isso. Aécio tem uma sede muito grande de querer ser presidente, mas ele tem que se acalmar e esperar o processo eleitoral. O PSDB não quer embarcar na aventura de colocar Temer na Presidência. Nossa democracia é muito frágil em termos históricos.

Tanto o senhor como Collor são alvos da Lava Jato.

Nunca roubei nem participei de nada errado dentro da Petrobras. O que houve no meu caso foi o financiamento da minha campanha. Não tinha a menor ideia que a empresa estivesse envolvida com nada de errado. Espero que as pessoas não prejulguem, já prestei depoimento. Hoje parece o seguinte: você tem carteira de petista no Brasil, é culpado! Se é tucano, não é investigado. Isso nos revolta! No meu caso, não existem provas, mas foi aberto o inquérito. O senador Aécio também foi citado e o caso arquivado. Falavam de propina em Furnas. Não estou aqui acusando-o. Mas há um tratamento diferente. Essa operação Lava Jato pode dar um passo extraordinário no País, dependendo da narrativa. Para mim, ela deveria ser: vamos descobrir tudo. O Yousseff fez um depoimento que listava mil e tantas obras que tinha corrupção, várias obras estaduais, Sabesp. Se em Curitiba um empreiteiro fizer delação premiada e ele disser: nós queremos saber de tudo, fala dos Estados. Aí nós vamos mostrar que este sistema está falido. Infelizmente só perguntam falando de um lado, o do PT.

O senhor crê que a operação quer levar à prisão o ex-presidente Lula?

Não acredito nisso. Só não aceitamos duas coisas: essas especulações sobre o Lula e o impeachment da Dilma. Alguma coisa contra o Lula, guardadas as proporções, pode causar algo parecido como a morte de Getúlio Vargas em termos de comoção popular. Nós não aceitaríamos isso passivamente. Sabemos que temos desgaste, mas não estamos mortos. Não ficaremos numa postura covarde.

O senhor chegou a pedir a demissão do ministro Joaquim Levy. O que acha agora da agenda Renan?

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A economia vai muito mal. Eu me posicionei contra o ajuste do Levy. Esse tipo de plano coloca a economia em recessão, diminui a arrecadação. Temos uma política monetária esquizofrênica e a maior taxa de juros do mundo. Cada ponto porcentual de aumento da Selic causa um impacto de R$ 15 bilhões. Podemos este ano comprometer 8,5% do PIB em pagamento de juros. Acho que devemos mudar esta política econômica. Tem gente prevendo uma recessão de mais de 2% e uma recessão também no próximo ano. Para resolver o problema político temos que reorientar a política econômica. Acho sinceramente que o Levy fracassou em seus propósitos. Fracassou dentro da nossa perspectiva que é a preocupação com o emprego. Fracassou do lado do mercado também que ia entregar: um superávit elevado e melhorar a situação fiscal. Estão aí as agências de risco rebaixando o País.

O fato de o governo abraçar a agenda do PMDB contribui para impedir um processo de impeachment?

O movimento do Renan ajudou neste momento. Ele descola do Eduardo Cunha, dá uma margem de fôlego a ela no Senado para que a Casa seja uma espécie de contraposição à Câmara. A gente vai entrar na próxima semana num movimento para discutir ponto a ponto da agenda. E quero deixar claro que em muitos pontosdiscordamos frontalmente, como essa Autoridade Fiscal Independente. O governo pouco interfere na política monetária. Se o governo não puder fazer política fiscal, para que serve eleger um governo? Não vamos aceitar isso. O recuo do Renan inicial, o Senado virar um contraponto à Câmara, isso é muito positivo, deu um respiro ao governo. Mas isso não significa que há um comprometimento com esses pontos da agenda que está construindo.

Classificaria como um parlamentarismo branco?

A tentativa é essa, impor uma agenda própria e fazer o governo aceitar. Não está acertado ainda o que o governo vai aceitar da agenda do Renan. Temos nós, os movimentos sociais. Vamos lutar. Eles querem aproveitar a fragilidade para avançar a agenda deles e fazer retroceder a agenda que foi vitoriosa nos últimos 12 anos. As pessoas podem dizer tudo do governo do PT, mas desde que Lula entrou na Presidência a situação do País mudou muito. Não dá para dizer que não houve avanços. Entendo as pessoas que estão indo para a rua, elas têm todo o direito. Eu como ex-líder estudantil não posso me posicionar contra as pessoas irem para as ruas, é legítimo. Agora, é preciso ter uma leitura clara deste período. Nunca o povo mais pobre teve tantas conquistas como neste período histórico.

O senhor defende que Dilma reconheça que errou?

Ela pode fazer isso, não é problema. O maior erro deste governo foi em relação à política econômica. Foi isso que criou essa desconfiança na nossa base. Não seria nenhum problema se ela admitisse que cometeu excessos e que vai corrigir esse rumo. Não é problema nenhum e seria muito bom. 

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