Classe C, ascensão e queda

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Por José Maria Mayrink
Atualização:

O técnico de informática Paulo Estêvão Pauli vai se formar em Engenharia Mecânica em 2017, quando já terá 57 anos, idade teoricamente embaraçosa para quem sai em busca de emprego. Se não conseguir uma vaga no mercado, pretende ser professor na área de sua nova especialidade.

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“Vínhamos sobrevivendo com a manutenção de computadores, mas os clientes diminuíram com o agravamento da crise, porque não tinham dinheiro nem para pagar os consertos, muito menos para comprar uma máquina nova”, conta Marta, mulher de Paulo, formada em Radiologia, lembrando o arrocho do orçamento familiar dos últimos anos. Sem recursos para as despesas do mês, o casal decidiu investir no futuro, ao mesmo tempo que reduzia os gastos.

Paulo e Marta são um exemplo do que aconteceu com a classe C, a chamada nova classe média, durante os governos Lula e Dilma. Entre 2006 e 2012, no boom do consumo, 3,3 milhões de famílias subiram um degrau, das classes D/E para a classe C, segundo um estudo feito pela Tendências Consultoria Integrada.

Eles começaram a ter acesso a produtos e serviços que antes não cabiam no seu bolso, como plano de saúde, ensino superior e carro zero. Mas, afetadas pelo aumento do desemprego e da inflação dos últimos anos, essas famílias começaram a fazer o caminho de volta.

De acordo com o estudo, desde o ano passado e até 2017, 3,1 milhões de famílias da classe C, ou cerca de 10 milhões de pessoas, devem cair e engordar a classe D/E.

Bolsa de estudo. Aprovado no Enem, Paulo ganhou bolsa do Prouni para estudar na Universidade Paulista (Unip), onde cursa o sétimo semestre. A filha Kawana, de 25 anos, também ganhou bolsa do Prouni para estudar Economia na Unip e pós-graduação na Fundação Getúlio Vargas. O filho Kalel, de 15 anos, ainda não sabe que carreira escolher. Marta e Paulo compraram livros usados no Mercado Livre, na internet, para os filhos estudarem em escolas particulares. Viagem ao exterior é um sonho que vem sendo adiado.

A classe C, à qual pertence a família do casal Marta e Paulo, está claramente recuando no poder de compra. “Não significa que está diminuindo de tamanho, mas está conseguindo comprar menos atualmente, porque a inflação sobe mais do que o salário”, observa Renato Meirelles, presidente do Instituto de Pesquisa Data Popular, especializado na análise das classes C e D.

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“A realidade está mais difícil do que antes de 2013 e as pessoas estão perdendo aquilo que haviam conquistado quando a economia era mais próspera”, afirma Meirelles. “Há um sentimento de orfandade e abandono, uma sensação de falta de perspectiva.”

Futuro. Como não se vê luz no fim do túnel, a recuperação da esperança depende de um novo governo, seja ele qual for, estender o ajuste às classes C e D, explicando sempre o que esse ajuste significa para cada um. Meirelles adverte que “44% da população declarou-se insatisfeita com Dilma Rousseff por achar que ela deixou de investir”. “É preciso traduzir o ajuste fiscal, mostrando que se está fazendo essa escolha sem esquecer dos mais pobres”, acrescenta. “Os ministros fazem a macroeconomia sem pensar no cotidiano, esquecendo-se de que dentro de cada casa sempre se faz uma escolha, ajustando-se as compras ao salário corroído pela inflação.”

O ajuste familiar pode exigir corte de despesas com compra de produtos mais baratos nos supermercados ou busca de novas rendas, dobrando o turno de trabalho, por exemplo.