Decreto do governo abre janela para nomeação política

Texto prevê critérios como tempo mínimo de experiência na área e barra enquadrados na Ficha Limpa; ministro descarta ‘toma lá, dá cá’

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Foto do author Luci Ribeiro
Por Idiana Tomazelli e Luci Ribeiro (Broadcast)
Atualização:

BRASÍLIA -  Sob pressão de partidos aliados para abrir espaço na máquina pública, o governo publicou nesta segunda-feira, 18, decreto que estabelece critérios mínimos para o preenchimento de cargos, mas deixou brechas para que as indicações políticas continuem a ocorrer. Nas exigências estão desde tempo mínimo de experiência na área até especializações como mestrado ou doutorado. Também barra quem é considerado inelegível pela Lei da Ficha Limpa. O decreto, porém, só entrará em vigor em 15 de maio, abrindo uma janela para nomeações que não sigam todas as regras.

O ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Wagner Rosário, afirmou que a indicação política “não é proibida” e “poderá continuar acontecendo”, desde que sejam respeitadas as exigências. “A indicação para cargos não é ‘toma lá, dá cá’, que é uso disso com interesse espúrio. A indicação de cargos não é proibida, não é criminalizada e poderá continuar acontecendo.”

O presidente Jair Bolsonaro Foto: Ueslei Marcelino / Reuters

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Conforme mostrou o Estado, a ideia do governo é criar uma espécie de “banco de talentos” formada por indicações de parlamentares para preencher cargos nos ministérios e nos Estados. Os nomes levados aos articuladores políticos por deputados e senadores serão avaliados segundo estes critérios.

Dos 24 mil cargos de direção e assessoramento (DAS) e funções comissionadas (FCPEs) atingidos pela nova norma, cerca de 3,7 mil ainda estão vagos. No entanto, o secretário especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Paulo Uebel, negou que, em meio às negociações pela reforma da Previdência, haja risco de uma “corrida” para nomeações sem a necessidade de seguir as regras. “Isso (critérios) eleva o nível de qualquer tipo de indicação.”

Mesmo quando o decreto estiver em vigor, ainda poderá haver exceções. O texto prevê a “dispensa excepcional dos critérios”, o que deverá ser justificado pelo ministro de Estado titular do órgão relacionado ao cargo “de forma a demonstrar a conveniência de dispensá-los em razão de peculiaridades do cargo ou do número limitado de postulantes para a vaga”.

‘Reputação’. O ministro admitiu que, quem for alvo de processos em fase de apuração, poderá ser nomeado quando não houver uma condenação. Ele reconheceu ainda que o conceito de “reputação ilibada”, requisito para a ocupação do cargo, é subjetivo. Mas advertiu que a responsabilidade é de quem nomeou e indicou.

Na Câmara, a brecha deixada para as nomeações políticas deu margem a críticas dos parlamentares, embora as próprias bancadas reivindiquem postos para indicações nos Estados. “Se a escolha do ministro pode prevalecer, então perde o sentido (o decreto)”, disse o líder do Podemos, deputado José Nelto (GO).

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O líder do DEM na Câmara, Elmar Nascimento (BA), disse que toda indicação já deveria ser de pessoas capacitadas e, por isso, disse não ver necessidade na medida. “O presidente é o mesmo, só mudou o envelope.” Para Marco Feliciano (Podemos-SP), vice-líder do governo, a medida é “extremamente acertada” por estabelecer padrões mínimos e, ao mesmo tempo, prever exceções quando necessário.

O presidente Jair Bolsonaro destacou, em seu perfil oficial no Twitter, a publicação de um decreto que estabelece regras mais rígidas para a nomeação em cargos comissionados, entre elas os critérios estabelecidos pela Lei da Ficha Limpa.

"Decretamos o estabelecimento de critérios mais rígidos para ocupação de cargos comissionados no Governo. Dentre as novas regras estabelecidas, destaco a inclusão da Lei da Ficha Limpa como critério para contratação de novos servidores. (Decreto 9727/2019)." /COLABORARAM CAMILA TURTELLI, MARIANA HAUBERT e MARCELO OSAKABE

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Confira o texto do decreto na íntegra: 

DECRETO Nº 9.727, DE 15 DE MARÇO DE 2019  Dispõe sobre os critérios, o perfil profissional e os procedimentos gerais a serem observados para a ocupação dos cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS e das Funções Comissionadas do Poder Executivo - FCPE. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, caput, incisos IV e VI, alínea "a", da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 5º da Lei nº 13.346, de 10 de outubro de 2016,DECRETA: Âmbito de aplicação  Art. 1º Este Decreto estabelece os critérios, o perfil profissional e os procedimentos gerais a serem observados para a ocupação dos cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS e das Funções Comissionadas do Poder Executivo - FCPE na administração pública federal direta, autárquica e fundacional.Critérios gerais para ocupação de DAS ou de FCPE  Art. 2º São critérios gerais para a ocupação de DAS ou de FCPE: I - idoneidade moral e reputação ilibada; II - perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo ou a função para o qual tenha sido indicado; e III - não enquadramento nas hipóteses de inelegibilidade previstas no inciso I do caput do art. 1º da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990. Parágrafo único. Os ocupantes de DAS ou de FCPE deverão informar prontamente a superveniência da restrição de que trata o inciso III do caput à autoridade responsável por sua nomeação ou designação.Ocupação de DAS e FCPE de níveis 2 e 3  Art. 3º Além do disposto no art. 2º, os ocupantes de DAS ou de FCPE de níveis 2 e 3 atenderão, no mínimo, a um dos seguintes critérios específicos: I - possuir experiência profissional de, no mínimo, dois anos em atividades correlatas às áreas de atuação do órgão ou da entidade ou em áreas relacionadas às atribuições e às competências do cargo ou da função; II - ter ocupado cargo em comissão ou função de confiança em qualquer Poder, inclusive na administração pública indireta, de qualquer ente federativo por, no mínimo, um ano; III - possuir título de especialista, mestre ou doutor em área correlata às áreas de atuação do órgão ou da entidade ou em áreas relacionadas às atribuições do cargo ou da função; IV - ser servidor público ocupante de cargo efetivo de nível superior ou militar do círculo hierárquico de oficial ou oficial-general; ou V - ter concluído cursos de capacitação em escolas de governo em áreas correlatas ao cargo ou à função para o qual tenha sido indicado, com carga horária mínima acumulada de cento e vinte horas.Ocupação de DAS e FCPE de nível 4  Art. 4º Além do disposto no art. 2º, os ocupantes de DAS ou de FCPE de nível 4 atenderão, no mínimo, a um dos seguintes critérios específicos: I - possuir experiência profissional de, no mínimo, três anos em atividades correlatas às áreas de atuação do órgão ou da entidade ou em áreas relacionadas às atribuições e às competências do cargo ou da função; II - ter ocupado cargo em comissão ou função de confiança em qualquer Poder, inclusive na administração pública indireta, de qualquer ente federativo por, no mínimo, dois anos; ou III - possuir título de especialista, mestre ou doutor em área correlata às áreas de atuação do órgão ou da entidade ou em áreas relacionadas às atribuições do cargo ou da função.Ocupação de DAS e FCPE de níveis 5 e 6  Art. 5º Além do disposto no art. 2º, os ocupantes de DAS e FCPE de níveis 5 e 6 atenderão, no mínimo, a um dos seguintes critérios específicos: I - possuir experiência profissional de, no mínimo, cinco anos em atividades correlatas às áreas de atuação do órgão ou da entidade ou em áreas relacionadas às atribuições e às competências do cargo ou da função; II - ter ocupado cargo em comissão ou função de confiança equivalente a DAS de nível 3 ou superior em qualquer Poder, inclusive na administração pública indireta, de qualquer ente federativo por, no mínimo, três anos; ou III - possuir título de mestre ou doutor em área correlata às áreas de atuação do órgão ou da entidade ou em áreas relacionadas às atribuições do cargo ou da função.Processo seletivo  Art. 6º A autoridade responsável pela nomeação ou designação poderá optar pela realização de processo seletivo destinado a subsidiar a escolha para a ocupação de DAS ou FCPE. § 1º Na hipótese de realização do processo seletivo de que trata o caput, além dos critérios de que trata este Decreto, poderão ser consideradas competências para orientar a seleção, tais como: I - os resultados de trabalhos anteriores relacionados com as atribuições do cargo ou da função; II - a familiaridade com a atividade exercida no cargo em comissão ou na função de confiança; III - a capacidade de gestão; IV - a capacidade de liderança; e V - o comprometimento do candidato com as atividades do ente público. § 2º O disposto no caput não se aplica nas hipóteses previstas no § 2º do art. 8º.Escolha final do postulante  Art. 7º Observado o disposto nos art. 2º, art. 3º, art. 4º, art. 5º e art. 9º, a escolha final do postulante é ato discricionário da autoridade responsável pela nomeação ou pela designação. Parágrafo único. A participação ou o desempenho em processo seletivo não gera direito à nomeação ou à designação.Aferição dos critérios  Art. 8º O processo de nomeação ou de designação para ocupação de DAS ou FCPE será encaminhado à autoridade responsável pela nomeação, pela designação ou, na hipótese prevista no § 2º, pela indicação, instruído com o currículo do postulante e com outras informações ou justificativas pertinentes que comprovem o cumprimento dos critérios para a nomeação ou a designação. § 1º O postulante ao DAS ou à FCPE é o responsável por prestar as informações de que trata este Decreto e responderá por sua veracidade e sua integridade. § 2º Sem prejuízo do disposto no § 1º, na hipótese de a nomeação ou a designação ser competência do Ministro de Estado Chefe da Casa Civil da Presidência da República ou do Presidente da República, caberá à autoridade responsável pela indicação a aferição do cumprimento do disposto neste Decreto. § 3º Na hipótese em que se fizer necessária a apreciação prévia da indicação pela Casa Civil da Presidência da República, a aferição do cumprimento dos critérios para a nomeação ou a designação constantes deste Decreto será realizada previamente pela autoridade responsável pela indicação, com base nas informações prestadas pelo postulante, nos termos do disposto no § 1º. § 4º Os critérios de tempo de experiência profissional e de ocupação de cargos em comissão ou função de confiança considerarão períodos contínuos e não contínuos.Dispensa excepcional dos critérios  Art. 9º Os critérios de que tratam os art. 3º, art. 4º e art. 5º poderão ser dispensados, justificadamente, pelo Ministro de Estado titular do órgão em que estiver alocado o DAS ou a FCPE ou do órgão ao qual se vincula a entidade em que o DAS ou a FCPE se encontra alocado, de forma a demonstrar a conveniência de dispensá-los em razão de peculiaridades do cargo ou do número limitado de postulantes para a vaga. Parágrafo único. A competência de que trata o caput é indelegável. Ações de capacitação Art. 10. As ações de capacitação e desenvolvimento de pessoal necessárias à ocupação dos cargos em comissão e das funções de confiança de que trata este Decreto constarão do plano de capacitação dos órgãos e das entidades de que trata o Decreto nº 5.707, de 23 de fevereiro de 2006, a partir da análise das necessidades de treinamento, aperfeiçoamento ou desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e competências.Divulgação de perfil profissional  Art. 11. Os órgãos e as entidades deverão manter atualizado o perfil profissional desejável para cada cargo em comissão do Grupo-DAS ou FCPE, de níveis 5 e 6, alocados em suas estruturas regimentais ou seus estatutos, conforme os critérios mínimos estabelecidos neste Decreto e o modelo definido em ato do Secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia. § 1º O perfil da vaga referido no caput será elaborado pelo órgão ou pela entidade em que o DAS ou a FCPE estiver alocado e deverá ser validado pela autoridade máxima do órgão ou da entidade, vedada a delegação. § 2º Os órgãos e as entidades deverão utilizar mecanismos de transparência ativa para disponibilizar, de forma organizada e em formato aberto, os perfis de que trata o caput e o currículo do ocupante de cada cargo em comissão ou função de confiança.Normas complementares  Art. 12. Os órgãos centrais do Sistema de Organização e Inovação Institucional do Governo Federal - SIORG e do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal - SIPEC poderão editar normas complementares necessárias à aplicação do disposto neste Decreto.Disposições transitórias  Art. 13. O disposto neste Decreto somente se aplica às nomeações e às designações posteriores à sua data de entrada em vigor. Art. 14. O disposto no art. 11 deverá ser cumprido até 15 de janeiro de 2020.Vigência  Art. 15. Este Decreto entra em vigor em 15 de maio de 2019.

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