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Bolsonaro responde a críticas de Bachelet com ataque a pai torturado na ditadura Pinochet

Alberto Bachelet e Michelle estão entre as 32 mil pessoas torturadas e presas durante a ditadura no Chile

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Por Luiz Raatz , Julia Lindner , Matheus Lara , Rodrigo Turrer e Ricardo Galhardo
Atualização:

O presidente Jair Bolsonaro atacou nesta quarta-feira, 4, a ex-presidente do Chile Michelle Bachelet e seu pai, Alberto Bachelet – torturado e morto pela ditadura de Augusto Pinochet –, e exaltou o golpe militar no país vizinho. As declarações coincidem com a chegada ao Brasil de Teodoro Ribera, chanceler chileno, e suscitaram críticas nos dois países.

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Aliado de Bolsonaro, o presidente do Chile, Sebastián Piñera, disse em pronunciamento que não compartilha da “alusão feita pelo presidente Bolsonaro a uma ex-presidente do Chile e, especialmente, num assunto tão doloroso quanto a morte de seu pai”.

Bolsonaro afirmou, nas redes sociais, que Bachelet “investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos (de bandidos)”. Disse ainda que o Chile “só não é uma Cuba” por causa do golpe militar que derrubou o presidente Salvador Allende em 1973, e que, segundo Bolsonaro, “deu um basta à esquerda” no país, “entre esses comunistas o seu pai, brigadeiro à época”, referindo-se a Alberto Bachelet. Michelle também foi torturada no regime liderado por Pinochet.

Relembre outros desconfortos diplomáticos” provocados por Bolsonaro

A manifestação de Bolsonaro foi uma resposta a declarações de Bachelet, que é alta-comissária para Direitos Humanos da ONU. Em entrevista em Genebra, na Suíça, ela havia dito que o “espaço democrático” no Brasil estava encolhendo. “Nos últimos meses, observamos (no Brasil) uma redução do espaço cívico e democrático, caracterizado por ataques contra defensores dos direitos humanos, restrições impostas ao trabalho da sociedade civil”, afirmou. 

“Seguindo a linha do (presidente da França, Emmanuel) Macron em se intrometer nos assuntos internos e na soberania brasileira, (Michelle Bachelet) investe contra o Brasil na agenda de direitos humanos (de bandidos), atacando nossos valorosos policiais civis e militares”, rebateu Bolsonaro. Em nota, o governo brasileiro afirmou que a ex-presidente do Chile “trata o Brasil com descaso” e que “se orgulha da solidez de sua democracia”. 

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônnia no Palácio do Planalto nesta terça, 3 Foto: REUTERS/Adriano Machado

Mais tarde, Bolsonaro, que estará na Assembleia-Geral da ONU neste mês, reiterou as críticas a jornalistas, em Brasília. “Parece que quando tem gente que não tem o que fazer, como a senhora Michelle Bachelet, vai lá para cadeira de direitos humanos da ONU. Passar bem, dona Michelle. A única coisa que tenho em comum com ela é a esposa que tem o mesmo nome. Fora isso, fora isso, meus pêsames a Michelle Bachelet”, disse Bolsonaro. 

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O porta-voz de Bachelet na ONU, Rupert Colville, rechaçou as falas de Bolsonaro. “Não costumamos comentar esse tipo de declaração, por mais que elas sejam imprecisas e deselegantes”, disse ele ao EstadoO ministro das Relações Exteriores endossou as críticas de Bolsonaro em seu Twitter.

Repercussão

As declarações tiveram repercussão na imprensa chilena. A diplomacia chegou a discutir a divulgação de um comunicado, mas, diante do amplo rechaço de setores de esquerda e direita no Chile, Piñera optou por um pronunciamento. “É de público conhecimento meu compromisso permanente com a democracia, a liberdade e o respeito aos direitos humanos em todo tempo, lugar e circunstâncias”, disse. “As distintas visões sobre os governos que tivemos nos anos 70 e 80 devem ser feitas com respeito.”

Não é de hoje que o apoio de Bolsonaro à ditadura Pinochet tem causado embaraços. Em março, quando o presidente viajou ao Chile – fazendo sua primeira viagem oficial como presidente –, os presidentes da Câmara, Iván Flores, e do Senado, Jaime Quintana, recusaram o convite de Piñera para um almoço em homenagem ao brasileiro no palácio La Moneda. 

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O Chile, porém, é um dos principais aliados de Bolsonaro na América do Sul. Na cúpula do G-7 em Biarritz, na França, Piñera participou das discussões sobre as queimadas na Amazônia. No começo do ano, Bolsonaro e Piñera articularam a criação do Prosur – bloco de centro-direita sul-americano que substituiu a Unasul – e unificaram o discurso de apoio à oposição liderada por Juan Guaidó na Venezuela

Alberto Bachelet

Alberto Bachelet, pai de Michelle, era general da Força Aérea e se opôs ao golpe dado por Augusto Pinochet em setembro de 1973. Bachelet foi preso três dias depois da queda de Salvador Allende e morreu, ainda no cárcere, em 12 de março de 1974, aos 50 anos.

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Em 2012, a Justiça do Chile mandou prender os coronéis Benjamin Cevallos e Ramón Cáceres Jorquera, acusados de torturar e causar a morte do pai de Bachelet. Na ocasião, ela era candidata a presidente do país. 

Foi a primeira vez em 38 anos que a Justiça se pronunciou sobre o caso do general Alberto Bachelet. A ordem foi dada após o Serviço Médico Legal determinar que a morte foi causada por problemas cardíacos decorrentes da tortura que ele sofreu na Academia de Guerra Aérea (AGA). À época, o órgão estava sob responsabilidade de Jorquera e Cevallos. “Há uma relação direta entre a morte da vítima e o seu último interrogatório”, escreveu o juiz.

Quando foi preso, o general chegou a enviar uma carta para sua mulher, Ângela Jeria, na qual relatava que o mais humilhante era que a tortura era praticada por seus companheiros de armas.

Alberto Bachellet e Michelle estão entre as 32 mil pessoas torturadas e presas durante a ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). A apuração dos crimes cometidos pelo Estado chileno durante a ditadura Pinochet levou a dezenas de condenações e prisões.

Fernando Santa Cruz

Não é a primeira vez que Bolsonaro se envolve em polêmica ao citar uma vítima de regimes ditatoriais. Em julho, ele respondeu a críticas do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, atacando a memória de seu pai, Fernando Santa Cruz, desaparecido durante a ditadura no País.

“Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade”, disse. O comentário teve repercussão imediata. Após a declaração, a Anistia Internacional emitiu uma nota de repúdio.

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Felipe é filho de Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira, integrante do grupo Ação Popular (AP), organização contrária ao regime militar. Ele foi preso pelo governo em 1974 e nunca mais foi visto. “Conto pra ele. Não é minha versão. É que a minha vivência me fez chegar nas conclusões naquele momento. O pai dele integrou a Ação Popular, o grupo mais sanguinário e violento da guerrilha lá de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro”, disse Bolsonaro em coletiva de imprensa.

Além de Michelle Bachelet, Bolsonaro tem se desentendido com outros ex-presidentes e líderes mundiais, como Angela Merkel, chanceler alemã, Emmanuel Macron, presidente da França e a chapa formada por Cristina Kirchner e Alberto Fernández, na Argentina. Abaixo, relembre outros desconfortos diplomáticos protagonizados pelo presidente brasileiro:

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