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As ruas, as casas e as várias crises

A crise mais visível é a do governo e a de seu partido. Estaria aí a obrigação de apontar saídas. Mas não parecem capazes. A crise mais séria é a que causa danos sociais concretos e reside na economia; o País que volta a temer o desemprego, a falta de investimentos; o fantasma da inflação que se instala e leva à concentração de renda e à exclusão social; a precariedade dos serviços. Seria papel da oposição mostrar alternativa. Mas, na carona, assiste ao incêndio dos tanques.

Por Carlos Melo
Atualização:

Há também a crise moral, revelada pelos escândalos de corrupção. Traz a fúria, pede cabeças e justiçamentos, mas pouco toca nas mazelas da cultura: a remoção de pequenos privilégios cotidianos, a burla das leis, das normas, a desigualdade de direitos e oportunidades. Seria o caso de uma revolução de costumes, mas estamos longe disto. São várias as crises, estão em todo canto.

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Nesse clima, multidões vão às ruas. Outros tantos observam de casa, pela internet. Todos, igualmente, vivem o mal-estar. O descontentamento e a revolta são traços do mundo contemporâneo e daí deriva a crise cíclica de representação: a política não responde à sociedade, a sociedade não constrói a política. Atônito, o sistema político bate cabeça e, no Brasil, gera a besta híbrida do presidencialismo sem poder e do parlamentarismo sem legitimidade. Ambos carecem de credibilidade. O animal híbrido, como se sabe, é estéril. 

Preenchidas pelo vazio, as ruas querem urgência. Mas, fragmentadas, não apontam rumos. Perde-se o ímpeto, não pela solução, mas pelo tédio. O “Fora Dilma sem futuro” é, ao final, nada se nem sequer se imagina quem assumiria o leme dessa nave. A crise de verdade é a ausência de lideranças – nas ruas e nos partidos –, não apenas morais, mas capazes de intuir caminhos, estabelecer acordos, construir novo desenho político, um novo ciclo de desenvolvimento econômico e social, na direção do amanhã. 

Resolver o quiproquó do Parlamento não contentará as ruas. Tampouco agradar às ruas pelas mãos do populismo eliminará, no longo prazo, o mal-estar que as ruas expressam. A crise maior está na incapacidade de apontar a rota da fuga que nos leva para frente. No fundo, os que foram às ruas sabem disto. E os que não foram também.

CIENTISTA POLÍTICO E PROFESSOR DO INSPER

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