Antipetismo se aproxima do ‘cinturão vermelho’

Rejeição a Dilma e a Lava Jato preocupa PT em redutos da periferia paulistana

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Por Pedro Venceslau
Atualização:
Eleitor do PTdesde 1980, Duarte cogita, pela primeira vez, anular o voto Foto: Rafael Arbex/Estadão

Há 40 anos morando no bairro Piraporinha, no extremo sul de São Paulo, o comerciante Oziel Duarte, de 63 anos, votou no PT em todas as eleições desde que o partido foi fundado, em 1980. Na disputa pela capital em 2012, ajudou a região a registrar a maior diferença absoluta entre o petista Fernando Haddad e o tucano José Serra no segundo turno. Agora, pensa diferente: pela primeira vez, Duarte responde que pretende votar nulo nas próximas eleições.

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“Quando vejo o noticiário, só ouço falar de roubo e corrupção”, disse o comerciante, ao expor as razões para não querer escolher um candidato a prefeito no ano que vem. O relato de Duarte exemplifica um fenômeno que mobiliza e preocupa os petistas a mais de um ano para a eleição municipal, ao mesmo tempo que já norteia a estratégia dos partidos que aspiram ocupar a cadeira de Haddad e impedir sua reeleição. 

O alto índice de rejeição ao governo da presidente Dilma Rousseff, que atingiu 68% em pesquisa do Ibope divulgada no começo de julho e registrou o pior desempenho de um presidente desde o fim da ditadura, somado à agenda negativa provocada pela Operação Lava Jato, estão cada vez mais próximos dos eleitores do chamado “cinturão vermelho”, conjunto de bairros nos extremos da capital que desde 2000 tem votado sistematicamente em peso no PT. Não bastasse a própria baixa taxa de aprovação, Haddad terá pela frente o desafio de enfrentar um sentimento antipetista sem precedentes.

“Nas eleições na capital a gente não investia muito nos redutos petistas porque sabíamos que não adiantaria. Mas o ‘mercado’ de hoje está diferente. Não há mais reduto petista onde não vale a pena investir”, avalia o marqueteiro Nelson Biondi, responsável por campanhas do PSDB na capital e no Estado e também pela estratégia que elegeu Paulo Maluf nos anos 90. “O PT desconfigurou o cenário.”

Território. Não por acaso, o PSDB decidiu que em 2016 mudará sua estratégia “territorial” para ocupar novos espaços. “Em função das coligações e para contemplar aliados, nós não lançamos candidatos a vereador em todas as regiões nas últimas eleições. Agora, lançaremos candidatos a vereador tucanos em todos os redutos petistas. Já estamos fazendo um levantamento”, diz o vereador Mario Covas Neto, o Zuzinha, presidente municipal do PSDB.

Provável candidata à Prefeitura em 2016 pelo PSB, a senadora Marta Suplicy, recém-saída do PT, traçou estratégia semelhante. Ela tem aproveitado os fins de semana para visitar os bairros do cinturão vermelho que foram responsáveis por sua eleição como prefeita em 2000 e nos quais ainda tem eleitores.

Para conferir um caráter institucional às visitas, Marta “pegou carona” em um projeto da Câmara Municipal chamado “Câmara no seu bairro”. Criado por um ex-aliado, o vereador petista Antonio Donato, atual presidente da Casa e ex-secretário de Governo de Haddad, o projeto consiste em realizar sessões públicas fora da sede do Legislativo paulistano para “aproximar a população dos vereadores”.

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Ao constatar que Marta estava roubando a cena nos eventos, correligionários de Haddad passaram a reclamar, em caráter reservado, que Donato estaria ajudando a ex-aliada, o que ele nega. Para tentar impedir que o antipetismo já visto em bairros mais centrais chegue de vez ao cinturão vermelho e melhorar sua imagem nessas áreas, Haddad criou um programa semelhante, batizado de “Prefeitura no seu bairro”.

Em outra frente, o PT está atuando diretamente nos diretórios zonais do partido para que os dirigentes locais “fechem as portas” para Marta. A estratégia consiste em mapear os quadros identificados com o “martismo” na periferia paulistana e impedir que a senadora reative suas redes. 

Único pré-candidato já declarado à Prefeitura, o deputado Celso Russomanno (PRB) aposta em uma estratégia diferente. Como não tem a mesma capilaridade partidária de petistas e tucanos, ele pretende aproveitar a exposição que tem na TV Record para investir nos “votos de opinião” nos campos vermelho (regiões identificadas com os petistas) e azul (redutos tucanos nas áreas mais centrais). Assim que terminar o recesso parlamentar, o deputado ganhará um quadro no programa de maior audiência da casa, o Cidade Alerta.

Padrão. Em um estudo sobre a geografia do voto brasileiro apresentado neste ano na conferência anual da Associação Mundial dos Institutos de Pesquisa em Buenos Aires, a diretora executiva do Ibope, Márcia Cavallari, relatou em termos científicos os que os políticos já tinham percebido na prática: o padrão geográfico do voto para presidente da República vem se repetindo desde as eleições de 2006. Entretanto, verificou-se que nas eleições de 2014 houve uma perda significativa do PT, principalmente quando comparado com os resultados das eleições anteriores. Ou seja, o antipetismo tem chegado a antigos redutos do partido.

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“Com a comparação das três últimas eleições de segundo turno, percebe-se o aumento significativo da proporção de eleitores voláteis, ou seja, aqueles que já votaram no PT em algum pleito passado, mas que agora não repetiram o voto”, afirmou a diretora do Ibope. “Em permanecendo esta polarização em eleições futuras, o desafio do PT será aumentar a distância entre os seus adversários nas áreas que lhe são favoráveis e reconquistar espaço entre os eleitores que se encontram nas áreas chamadas voláteis.”

Para o cientista político Carlos Novaes, a crise no PT “é estrutural e anterior aos escândalos”. “O PT nunca esteve tão vulnerável. Será mais fácil para os adversários de Haddad encontrar reprodutores para seus discursos de campanha.”

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