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Análise. Quando o teto vira piso e o descontrole vira regra

'Não se pode ignorar que o Poder Judiciário custa muito caro e é pouco transparente'

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Por Cristiano Maronna e Luciana Zaffalon
Atualização:

Não se pode ignorar que o Poder Judiciário custa muito caro e é pouco transparente. A pesquisa “O custo da Justiça no Brasil: uma análise comparativa exploratória” permite comparar o quanto se gasta com a Justiça em diferentes países, considerando os respectivos PIBs: a Espanha despende 0,12% de seu PIB com o Judiciário, a Argentina, 0,13%, e os EUA e a Inglaterra, 0,14%. O Brasil consome 1,30%. Sem qualquer controle social efetivamente externo, é o próprio Judiciário que dá a palavra final a respeito de questões interna corporis, incluindo a política remuneratória: o CNJ, órgão criado como instância fiscalizatória da magistratura, é formado majoritariamente por... magistrados. Com isso, mantêm-se distorções, com juízes do próprio Conselho recebendo polpudos complementos salariais, acima do teto constitucional e, ainda, não tributados. Há outro fator: o custeio dos penduricalhos nas carreiras jurídicas pode funcionar como moeda de troca na relação com os demais Poderes, ao se negociar, por exemplo, suplementações orçamentárias para o Judiciário a cada ano. Esses diálogos permitem a magistrados ganhos que os colocam entre os 0,1% mais ricos do Brasil.  O CNJ sabe disso e mais. Em 2006, pesquisa encomendada pelo órgão constatou que 2.978 magistrados e servidores do Judiciário do País recebiam acima do teto. A pesquisa encontrou irregularidades em 19 Tribunais Estaduais e um Federal A pauta é atual e incomoda parte dos magistrados, como os que realizaram neste mês manifestação no STF em defesa de interesses corporativos, como o auxílio moradia.  Um debate de fundo deve ser feito, ainda mais com os gastos sociais congelados por 20 anos. Pagar benesses a carreiras jurídicas não encontra lastro no interesse público, tanto que apenas beneficiários desses valores são capazes de defendê-las. O desafio democrático se intensifica por se tratar de sujeitos que consolidam jurisprudências e interpretam normas, inclusive as de moralidade administrativa. Delfim Neto, em artigo publicado em 2017, resumiu esse paradoxo: aqueles a quem cabe julgar nossos conflitos têm aplicado uma “hermenêutica esperta”, muito bem servida por “exegeses criativas que transformaram o limite constitucional em letra morta”.  É momento de pensar sobre o real equilíbrio entre os Poderes que compõem o Estado brasileiro, que está a serviço da sociedade, e não o contrário. Que o fiel da balança seja o interesse público e se reflita no direcionamento dos recursos.*CRISTIANO MARONNA É ADVOGADO, MESTRE E DOUTOR EM DIREITO PENAL PELA USP, É PRESIDENTE DO  INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS.*LUCIANA ZAFFALON É ADVOGADA, MESTRE E DOUTORA EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PELA FGV-SP E COORDENADORA-GERAL DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS.

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