Análise: Ecos do debate público e da pressão social na votação do distritão

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Por Marco Antonio Carvalho Teixeira
Atualização:

A derrubada do distritão e a rejeição da proposta de constitucionalização do financiamento privado de campanhas representam duas derrotas substantivas para Eduardo Cunha, Michel Temer e o PMDB de maneira geral, mas principalmente para o presidente da Câmara, que estava se desenhando, até então, como imbatível dentre os seus pares mesmo diante do seu suposto envolvimento em irregularidades investigadas pela Operação Lava Jato.

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Eduardo Cunha sai ferido em sua condição de quem estava construindo uma agenda Legislativa ao sabor de compromissos por ele assumidos. O PMDB demonstra que nem sempre a condição de maior partido - que ora conta com o PT, ora com o PSDB, para fazer valer interesses de seus dirigentes - não é por si só uma garantia de vitória. Aliás, PT e PSDB precisam ser menos oportunistas na relação com o PMDB. Tal relação tem servido apenas para o fortalecimento de lideranças como Cunha e Renan Calheiros, que vem sobrevivendo graças a esse pragmatismo de tucanos e petistas.

A divisão das bancadas em torno das duas questões (salvo situações como as do PT, PR, PRB, PC do B e PDT acerca da votação do distritão), além do debate público generalizado acerca das duas questões, notadamente em relação as consequências negativas da introdução do distritão, ajudam a entender como se chegou a esses dois resultados, tidos com surpreendentes quando se considera o que se apresentava como tendência para essas duas votações.

Dentre tantas possibilidades para entender os dois resultados, destaco uma: a pressão social para dentro da Câmara dos Deputados promovida pelo debate e esclarecimento público acerca das mazelas do distritão. Foi algo surpreendente em tempos de mal-estar político que estimulou uma ação coletiva quase unânime entre acadêmicos, pesquisadores e ativistas, revelando que o distritão servia mais aos interesses de quem tinha mandato e pensava em como garantir a reeleição do que para a construção de um sistema eleitoral mais democrático para o Brasil. Foi reveladora a fala de Cunha ao jornal O Globo quando afirmou que "todos os modelos têm críticas, mas geralmente é melhor ter críticas de quem disputa a eleição". A contribuição dada pelas reflexões de cientistas políticos e a repercussão das mesmas frente aos chamados formadores de opinião foi decisiva, assim como igualmente importante foi a ação de ativistas preocupados com a probidade das campanhas e a melhoria do sistema de representação. O distritão ficou evidenciado como um retrocesso irreparável. Nesse caso, o debate público venceu.

Os partidos precisam repensar suas estratégias de ação em questões substantivas para o debate público. Divisões de posicionamento revelam, como no caso do PSDB em relação ao distritão, a incapacidade das legendas em promoverem o debate interno. Ao que parece, como também ocorre na discussão do ajuste fiscal com o PT, é mais confortável conviver com a ambiguidade de posições sem colocar em risco projetos eleitorais e de poder.

Por fim, penso que a pressão social, em tempos de diversificação de mídias, transparência, voto aberto e instrumentos de accountability à disposição do cidadão, pode estimular um processo democrático mais ativo e melhorar ainda mais a relação Estado-Sociedade. Isso é mais efetivo do que simplesmente esperar que as consequências de escândalos de corrupção aprimorem a nossa democracia e a administração pública.

Marco Antonio Carvalho Teixeira é cientista político, professor e pesquisador da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV

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