Adriana Ancelmo pode voltar à prisão por ter movimentado conta bloqueada

Procurador diz que vai investigar movimentação de R$ 1,2 milhão de ex-primeira-dama no Itaú; ela diz que foi usado para pagar honorários advocatícios

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Por Roberta Pennafort
Atualização:

RIO - Ré por corrupção e lavagem de dinheiro do esquema de corrupção do marido, o ex-governador Sérgio Cabral do Rio (PMDB), a ex-primeira-dama Adriana Ancelmo, que está em prisão domiciliar, pode ser mandada de volta à cadeia por ter movimentado indevidamente sua conta bancária quando estava presa no complexo de presídios de Bangu. Por determinação judicial, a conta deveria estar bloqueada. O Ministério Público Federal está analisando as circunstâncias da transação para definir se cabe novo pedido de prisão preventiva, apurou o Estado.

A ex-primeira-dama do RioAdriana Ancelmochega para prestar depoimento ao juiz Marcelo Bretas na tarde desta quarta-feira, 10, na 7.ªVara Criminal do Rio, no centro da cidade Foto: Fábio Motta/Estadão

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Nesta quarta-feira, 10, em depoimento ao juiz da 7.ª Vara Federal Criminal do Rio, Marcelo Bretas, ela disse que enquanto estava encarcerada teve R$ 1,2 milhão creditado na sua conta, valor oriundo de um investimento em previdência privada em benefício de um de seus filhos. O dinheiro foi usado, segundo a ex-primeira-dama, para pagamentos de honorários advocatícios dos profissionais que a defendem, além de dívidas com funcionários e outras despesas. Como ela estava no presídio Bangu 8, os pagamentos foram feitos por sua secretária.

O Ministério Público Federal recebeu a notícia da movimentação nesta quarta-feira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), e o procurador Rodrigo Timoteo questionou Adriana. Ela disse que todo o valor já foi gasto, não estando mais em sua conta no presente momento.

“A movimentação causa estranheza. Os investimentos deveriam estar bloqueados, para o ressarcimento dos cofres públicos (do dinheiro de corrupção desviado). Ela podia dispor só da participação dos lucros do escritório de advocacia (do qual é sócia). O Ministério Público vai solicitar e o Itaú (banco de Adriana) vai ter que esclarecer”, afirmou, após o depoimento, o procurador Rodrigo Timoteo. Uma dúvida é se o dinheiro em questão estava no nome dela.

Adriana foi presa em dezembro e liberada para ir para casa em março. Está em prisão domiciliar em seu apartamento, no Leblon, onde moram seus dois filhos, de 10 e 14 anos. Cabral está preso há seis meses no complexo de presídios de Bangu.

'Nem um centavo'. No depoimento desta quarta-feira, ela negou que tenha cometido os crimes dos quais é acusada, e disse que acredita na idoneidade do marido. “De forma alguma participei. Nunca tive ciência. A mim nunca foi entregue nem um centavo”, afirmou.

Adriana rechaçou também que seu escritório de advocacia tenha lavado dinheiro ilícito e afirmou que nunca teve contas pagas por emissários de Cabral. Disse ainda que jamais comprou joias de valores como R$ 1,8 milhão e R$ 600 mil, como constam nos autos do processo. “Tenho a mesma conta bancária desde os meus 18 anos, é a única em toda a minha vida. Fico absolutamente tranquila independentemente de quem venha a se sentar aqui”, afirmou.

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“Nenhum empresário, nenhum delator, nenhum operador poderá mencionar qualquer tratativa de recebimento de valores ilícitos por meu escritório ou por mim. Eu nunca, jamais participei e contribuí com qualquer atividade ilícita supostamente realizada e que estão nesses processos”, declarou Adriana, que disse esperar voltar a exercer a profissão de advogada. Sobre Cabral, afirmou crer que “todo e qualquer recebimento dele tenha sido de produto de trabalho lícito”.

Ela desmentiu sua ex-secretária Michele Pinto, segundo a qual Adriana recebia remessas semanais de R$ 200 mil e R$ 300 mil em seu escritório. Quem entregava era o emissário Luiz Carlos Bezerra, que integra o esquema de Cabral, segundo as investigações. “Atribuo qualquer afirmação dela, que eu recebia R$ 200 mil e R$ 300 mil, a represália, por eu ter aberto informações da vida pessoal dela. São alegações fictícias”, acusou Adriana, que disse que Bezerra era um office boy de Cabral.

Anel de R$ 800 mil. Sobre as joias que teriam sido compradas para a lavagem do dinheiro da corrupção, ela disse que se trataram de presentes. “As joias que foram apreendidas na minha residência eram as que eu detinha. Eu recebi algumas joias do Sergio, em datas festivas, de aniversário. Não era em todos os anos nem em todas as datas, como Dia das Mães”, disse Adriana, casada com Cabral há 15 anos. Sobre o anel que recebeu do empreiteiro Fernando Cavendish, estimado em R$ 800 mil, de presente de aniversário, declarou: “Eu recebi um presente de um amigo, sem que eu soubesse dos valores.”

Ela contou também que o serviço advocatício prestado por seu escritório para a empresa EBX, do empresário Eike Batista, no ano de 2012, foi realizado normalmente. O mesmo disse em referência à empresa Rica Alimentos, de Luiz Alexandre Igayara, réu por lavagem de dinheiro - o que havia sido negado mais cedo em depoimento por Igayara. Delator, ele declarou que Cabral lhe pediu para “esquentar” R$ 2,5 milhões via contrato fantasma com a firma.

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“Houve dois trabalhos realizados, um em 2012 e outro em 2014, ambos referentes a passivos trabalhistas da empresa. Realizei no mínimo três reuniões no meu escritório com Igayara. Eu prestei os serviços. Não consigo sequer imaginar por que razão ele venha aqui dizer que isso foi fictício”, ela disse.

Investigação. Segundo a Procuradoria da República no Rio, Adriana se beneficiou do sistema de arrecadação de propina de empreiteiras, que movimentaria cerca de R$ 1 milhão por mês. Lavou dinheiro por meio de contratos fantasmas firmados por seu escritório de advocacia e pela compra de joias, feitas nas joalherias mais caras do Rio. Só na H. Stern, foram mais de 40 peças, no total de R$ 6 milhões, adquiridas entre 2012 e 2015 e pagas, muitas vezes, em espécie.

O número de viagens que ela e o marido fizeram no período em que ele foi governador também chamou a atenção dos investigadores. Foram 67 vezes entre 2006 e 2016 (os dois mandatos de Cabral foram de 2007 a 2014). O hábito de comprar roupas de grife de alto luxo também: a força-tarefa da Lava Jato, em Curitiba, apontou gasto de R$ 57 mil em seis vestidos de festa feitos sob medida em 2014.

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Ela e Cabral são réus também por corrupção e lavagem de dinheiro em outra ação, na 13.ª Vara Federal Criminal da cidade, sobre suposta propina de R$ 2,7 milhões que teriam irrigado o esquema de Cabral a partir de um desvio num contrato de terraplanagem das obras do Complexo Petroquímico do Rio (Comperj) com as empreiteiras Odebrecht, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão. Outros colaboradores de Cabral também são réus nessa ação.

Na semana passada, a advogada disse, em depoimento ao juiz Sérgio Moro, que não tinha conhecimento do total dos gastos da família – que, segundo Moro, seriam superiores a R$ 100 mil (o salário de governador é de cerca de R$ 20 mil). Segundo Adriana, era o marido que cuidava da parte financeira da casa e o casal não tratava desse assunto.

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