A vitória do civilismo oligárquico

A Constituição de 1891 foi abolida por Getúlio Vargas em 1930 mediante simples decreto. Em 29 de outubro de 1945, os generais que o depõem entregam o poder ao presidente do Supremo Tribunal Federal, respeitando a Constituição de 1937. Em 24 de agosto de 1954, generais das três Armas fazem pressão para que Vargas se licencie até o esclarecimento do atentado que matou Rubens Vaz, e para que o vice-presidente assuma.

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Por Oliveiros S. Ferreira
Atualização:

 

O suicídio de Vargas caracterizou uma interferência do "acaso". Nos dias 11 e 21 de novembro de 1955, a tropa rebelada espera que o Congresso declare vaga a Presidência. O Congresso declara impedidos o vice-presidente Café Filho e o presidente da Câmara, Carlos Luz. O presidente do Senado assume o poder até a posse de Juscelino Kubitschek.

 

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Essa sequência de intervenções militares seguidas da entrega imediata do poder ao setor civil fez que a academia visse nas Forças Armadas o poder moderador da república - ainda que pouco tivessem elas a ver com a natureza e as funções do moderador no império. Agiam inspiradas pelo civilismo oligárquico (quando não se rompem os padrões civis de governo e não se alteram as relações oligárquicas de poder). Esse padrão de comportamento persistirá até 9 de abril de 1964, quando é editado o Ato Institucional nº 1 e o Comando Revolucionário assume poderes constituintes. A decisão dos ministros militares em 1961, negando posse a Goulart, afastou-se desse padrão, sendo por isso rejeitada pelo 3.º Exército. O recurso a ato institucional indica que a mentalidade civilista persiste e influenciará o presidente-marechal Castelo Branco, eleito pelo Congresso. Ele pretende que seu sucessor seja civil.

 

O que Oliveira Viana chamou de "mole militar" moveu-se até 1964 inspirada por seus "totens" - o ministro ou generais de quatro estrelas. As diferentes correntes políticas no mundo civil, sabendo disso, aproximam-se dos totens, liberais ou comunistas, que detêm postos de comando. Na "Novembrada" de 1955, a política estava presente nos quartéis. A divisão no mundo civil e nas Armas acentua-se após a posse de Goulart em 1961 e a volta ao presidencialismo em 1963, ainda que a visita do presidente aos EUA permita um respiro aos que temem que sua gestão subverta a ordem.

 

Radicalismos. No mundo civil, o governador da Guanabara, Carlos Lacerda, é o porta-voz radical do "partido da ordem" - conjunto não organizado dos que, votando neste ou naquele candidato, "formam" sob o lema Família-Propriedade-Religião-Ordem. Sua pregação contrapõe-se à do governador gaúcho Leonel Brizola. Radicais, ambas não respeitarão as normas não escritas do civilismo oligárquico: Lacerda quer uma "ditadura romana"; Brizola, as grandes reformas, "na lei ou na marra".

 

Nas eleições no Clube Militar, os "partidos civis" ganham forma: a Cruzada Democrática e os Nacionalistas.

 

As eleições de 1962, para o Congresso e governos de diferentes Estados, encontram o partido da ordem cuidando de defender suas posições. É quando se organiza o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) para financiar candidaturas, especialmente preocupado em derrotar o candidato a governador Miguel Arraes em Pernambuco. Sinal claro da radicalização é o discurso com que o candidato Ademar de Barros, em São Paulo, apresenta-se aos eleitores na TV: "O poder sindical não passará". Ele vencerá o pleito; Arraes também.

Enquanto Brizola aumentava a pressão pelas reformas de base e Francisco Julião liderava em Pernambuco as Ligas Camponesas, grupos civis organizaram o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes), cujo objetivo final não foi ainda esclarecido: um golpe militar fora dos padrões do civilismo oligárquico ou defesa da Constituição na hipótese de Goulart dar um golpe (havia um "dispositivo militar" da Presidência)? Sem dúvida o Ipes tem contatos militares, diríamos não os decisivos, porque lhe falta um general disposto a liderar. Pery Bevilacqua, que se ergue contra a ação sindical no porto de Santos, é defensor da Constituição.

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Depois do comício de 13 de março, quando Goulart, sob proteção de tanques e tropa do Exército, anuncia reformas de base, Castelo Branco redige ao Estado-Maior um documento reservado, reafirmando que o Exército não serve a partidos, mas à Constituição. O general Olympio Mourão Filho, em Juiz de Fora, está longe do círculo maior de conspiradores, mas firme na ideia de defender a Constituição contra os comunistas. Subleva a 4ª Região Militar na madrugada de 31 de março - depois da revolta dos marinheiros e do discurso de Goulart, na véspera, aos sargentos - para surpresa dos que, no Rio, buscam se organizar.

 

O AI-1 e as cassações frustraram os que militavam sob a bandeira do civilismo oligárquico. Mas são dele os louros, com Arena e MDB. Os presidentes militares fizeram questão de governar com a antiga classe política, ainda que sem alguns de seus expoentes. A rigor, o processo iniciado a 31 de março concluiu-se com o triunfo do partido da ordem, suporte do civilismo oligárquico, que ainda nos governa.

 

* Professor da USP e da PUC/SP. membro do gabinete e oficina de livre pensamento estratégico. Autor de ‘Elos Partidos: uma nova visão do poder militar no Brasil’ (2007). www.oliveiros.com.br

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