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FHC diz que momento atual não apresenta risco para a democracia

Ex-presidente disse ainda que o domingo 'não foi fácil'; ele participa de evento sobre direito em São Paulo

Por Suzana Inhesta e André Magnabosco
Atualização:

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou nesta segunda-feira, 18, que o possível risco à democracia cogitado durante o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Collor, no início da década de 1990, não tem paralelo com o momento atual vivido pela presidente Dilma Rousseff. Segundo FHC, a atual situação do País afasta preocupações em relação a tais riscos. “No caso do Collor, eu temia as consequências, mas não houve consequência negativa para a democracia”, afirmou FHC. “Temíamos a quebra do regime, a quebra da democracia. Até que (o impeachment) ficou inevitável”, complementou. “No debate que vivemos neste momento, não creio que haja risco implícitos à democracia”, ponderou FHC, após lembrar que o afastamento de Collor ocorreu anos depois do fim do regime militar no Brasil. “No passado, isso era a receita para cogitarmos qual era o militar que viria. Hoje não sabemos o nome dos militares, mas sabemos todos os nomes dos ministros da corte suprema. A questão migrou dos quartéis para os tribunais”, ressaltou o ex-presidente. Na visão de FHC, essa mudança “dá ânimo” para eu dizer a “regra vai se impor”. “Quem viu o que aconteceu na última semana, a minúcia com que o STF discutiu os regimentos internos da Câmara, vê como o País começa a dar importância ao devido processo legal”, destacou em ampla defesa sobre questões do estado de direito. O ex-presidente participa da conferência “Desafios ao Estado de Direito na América Latina - Independência Judicial e Corrupção”, promovido pela FGV Direito SP, o Bingham Centre for the Rule of Law (Londres) e o escritório global de advocacia Jones Day.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso Foto: Sérgio Castro/Estadão

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Programas sociais. FHC defendeu que o Estado brasileiro se preocupe não apenas com a elaboração e o cumprimento de programas sociais, mas também com a análise sobre o resultado dos mesmos. Ao citar pontualmente o ProUni e a reforma agrária, FHC afirmou que há um tabu no Brasil em relação a comparações e análises de resultados.

“Ninguém desapropriou mais terra do que eu. Agora, nunca se avaliou a reforma agrária. O custo da reforma agrária é elevado, e qual foi o resultado? Alguns devem ter sido bons, outros não. Mas não se avalia, há um tabu”, afirmou o ex-presidente. Segundo ele, não se averigua o que foi feito com a terra concedida, se o beneficiário a tornou produtiva ou se a vendeu. “Entrou no orçamento, torna-se perene. Na Educação é um pouco isso também”, disse.

Ao comentar o ProUni, um programa da gestão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, FHC continuou com as críticas. “O ProUni criou universidades privadas. Muitas vezes, depois a pessoa não paga. Ele tem que ser repensado”, disse, após fazer uma espécie de mea culpa. “Não fazemos análise de programas. Não estou dizendo que eu tenha feito, não. Temos horror a comparação e não gostamos de avaliar”, continuou.Corrupção. FHC afirmou que a corrupção se agravou no País à medida que ela deixou de ser uma prática de má conduta física, de uma pessoa, para uma medida organizada, de fortalecimento de partidos. “O fluxo de recursos hoje, nesse caso, é para a manutenção de poder, de partido e eventualmente ‘escorrega’ algum dinheiro para o bolso das pessoas”, afirmou. Entretanto, ao mesmo tempo, o político ressaltou que os órgãos responsáveis para coibir a corrupção também passaram a se organizar. FHC também falou durante sua apresentação a respeito do trabalho dos integrantes da constituinte e da elaboração da Constituição de 1988. “Fui membro da assembleia constituinte e foi momento muito rico. Nós vínhamos de um estado militar e só aspirávamos liberdade. Na época o sentimento era incorporar mais pessoas à sociedade brasileira”, falou. Para ele, na época, houve judicialização saudável. “Havia acesso ao direito, não benéfico, mas baseado na lei”, destacou.

Coalizão. O ex-presidente da República disse não defender o presidencialismo de coalização e que, hoje, o que existe é o presidencialismo de cooptação.  "Isso é corrupção da democracia”, declarou. “Teve ex-presidente, que vocês sabem quem é, que resolveu fazer aliança com pequenos, distribuir posições e depois dinheiro”, fazendo uma referência explícita ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, sem citá-lo nominalmente. “Temos 25 partidos no Congresso e mais 30 fora, o que é inviável, esse modelo está agoniado, viciado”, disse.

Para ele, o Brasil vive um momento no qual a democracia está corroída. “A aliança pode ser feita antes ou depois da eleição. No meu caso, preferi fazer antes da eleição. Sem aliança você pode ganhar eleição, mas não governa. Os partidos são diferentes, mas o que os junta são planos. Mas hoje se eu tenho um partido, tento obter do presidente um ministério e isso corrompe a democracia. Não sei como o sistema vai renascer, mas assim ele não tem como funcionar. Isso tem que ser refeito, modificado”, declarou. No início de sua palestra, FHC relembrou o histórico da democracia brasileira, que para ele não é tão nova quanto parece. “Com a regência vimos uma aproximação entre a ideia e a lei e o povo. E começou a se construir um jogo, e aí passou a se acreditar na lei. O jogo de alternância de poder começou a existir. Se Dom Pedro II fez algo de mais notável, de alguma maneira ele organizou o estado brasileiro”, afirmou.Noite difícil. Ao chegar ao evento, FHC afirmou que a noite não foi “fácil” para ele. Ao pedir desculpas diante de um possível abatimento, ele disse que a última noite foi “bastante agitada”. “E o dia também será agitado”, ponderou o ex-presidente, sem fazer qualquer referência à votação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados.

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