Suprema ironia. Antes da Lei Anticorrupção, de 2013, as empreiteiras que fraudavam contratos de obras públicas eram imediatamente inabilitadas a partir da instauração do respectivo processo administrativo. Tudo conforme a Lei das Licitações (4.666/96). Veja-se, por exemplo, o caso da Delta, de Fernando Cavendish, em 2013.
Agora não. O Ministério Público, ao firmar acordo de leniência com as empreiteiras arquicorruptas, declara que podem elas continuar as obras em andamento que contrataram com os superfaturamentos conhecidos e ainda podem obter novos financiamentos do BNDES e demais bancos públicos. Ocorre que esse entendimento esbarra com a citada Lei Anticorrupção, que exige a presença da Advocacia-Geral da União (AGU), do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Ministério da Transparência na negociação e celebração desses acordos. Daí não terem os mesmos qualquer eficácia no que diz respeito à retomada das obras fraudadas, ou para participarem de novas licitações e leilões, ou para obterem novos financiamentos.
É o que expressamente advertiu a ministra Grace Mendonça, titular da AGU, em esclarecedora entrevista ao Valor Econômico, na terça-feira. Ou seja: os acordos de leniência firmados solitariamente com o Ministério Público Federal (MPF), face à ausência da AGU, CGU e TCU, são absolutamente ineficazes, devendo o poder público ingressar com ação de improbidade administrativa contra as empreiteiras corruptas, não podendo elas obterem qualquer financiamento do BNDES, Banco do Brasil e da Caixa, e muito menos continuar a tocar obras atuais ou futuras.
Isso tudo quer dizer que os acordos de leniência firmados pelo MPF a favor das empreiteiras corruptas têm apenas o condão de reduzir as multas devidas pelos delitos cometidos, mas não abrangem a indenização cabal que o poder público deve cobrar delas e muito menos permitir que elas continuem ou voltem ao rol de contratadas. A Lei 4.666/96 não foi revogada e muito menos pode ser desconsiderada nos acordos de leniência firmados pelo MPF.
*É JURISTA