Um rico debate sobre a pobreza

Polêmica simplista sobre fim ou não do Bolsa Família oculta diferentes visões do PT e do PSDB sobre problema

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Por Roldão Arruda
4 min de leitura

O debate sobre políticas e programas sociais do governo subiu para um patamar mais elevado nesta eleição. Debaixo da poeira da velha polêmica sobre a manutenção ou não do Programa Bolsa Família - tema de compreensível interesse de parcelas mais pobres do eleitorado e que obriga o candidato do PSDB, Aécio Neves, a repetir até quatro vezes em cada confronto na TV que vai mantê-lo -, corre outro debate, mais elaborado. Envolve formas de melhorar e dar sustentabilidade ao que já foi conquistado. Segundo os tucanos, após retirar milhões de famílias das situações de pobreza e extrema pobreza, o que é elogiável, os governos petistas não teriam elaborado ainda políticas claras para dar sustentabilidade à mobilidade social. Em outras palavras, se a transferência direta de renda acabasse amanhã, as famílias voltariam à extrema pobreza, segundo os assessores de Aécio. O governo, por seu lado, sustenta que a transferência de renda por meio de programas como o Bolsa Família é apenas parte de uma política social muito mais ampla, que já garante a sustentabilidade das mudanças ocorridas. Essa política, segundo o governo, vai do esforço de valorização do salário mínimo a programas de qualificação profissional voltados especificamente para famílias mais vulneráveis. Em entrevista ao Estado, um dos principais assessores da campanha de Aécio na questão dos programas sociais, o assistente social Marcelo Reis Garcia, disse que o principal erro do governo é basear suas ações sobretudo na ausência de renda das famílias. Isso o levaria a privilegiar os programas de transferência de renda. Ainda segundo o técnico, que chefiou a Secretaria Nacional de Assistência Social no governo de Fernando Henrique Cardoso e assessorou Aécio no governo de Minas, seria melhor se fosse adotado o conceito de pobreza multidimensional, que, além da renda, leva em conta fatores como educação e saúde. "Propomos que a discussão sobre a pobreza saia da simplificação monetária e passe a considerar um conjunto de privações. Seriam incluídos na análise qualidade da casa, escolaridade, saúde, capacidade para trabalhar e renda", disse Garcia. "A gestão da pobreza apenas pela renda não tem sustentabilidade. O que aconteceria se, por acaso, a transferência de renda para as 36 milhões de famílias que saíram da extrema miséria acabasse hoje? Elas voltariam para a extrema pobreza? Provavelmente sim. Para evitar isso é preciso levar em conta outras privações que as famílias precisam superar."Ensino. Outro argumento apontado por Garcia para a revisão do atual modelo é a existência de 11 milhões de brasileiros na faixa de 18 a 29 anos que não concluíram o ensino fundamental e outros 9 milhões sem o ensino médio. "São 20 milhões de brasileiro que sempre terão dificuldade para conseguir emprego. O que eu vou fazer com essas pessoas? Aposentá-las aos 20 anos? Mantê-las como beneficiárias dos programas de transferência de renda até a morte? O que estamos propondo é uma metodologia que permita acompanhar cada família, isoladamente, para que superem suas dificuldades." Critérios de análise multidimensional da pobreza já são utilizados por instituições como o Banco Mundial e a Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo Garcia, o que se propõe para o Brasil é algo semelhante ao usado pela ONU na elaboração do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). A ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, diz que a crítica contida no programa de Aécio é falha, porque tem foco apenas nos programas de transferência e ignora que foram combinados com outras políticas de curto e de longo prazo, destinados a dar sustentabilidade à superação da pobreza. "Não entendo por que insistem em localizar a discussão no Bolsa Família", disse ela ao Estado. "Já se sabe que o Bolsa Família teve até agora um peso de 30% na redução da pobreza no País. Outros fatores, entre eles a valorização do salário mínimo, a redução da informalidade no trabalho, o acesso a crédito e à assistência técnica rural, o acesso a bens, a expansão da rede de creches, os cursos de qualificação profissional, são responsáveis pelos outros 70%." A ministra também lembrou estudos recentes do Banco Mundial e da ONU, que, ao analisar a questão da pobreza no País do ponto de vista multidimensional, apontaram avanços significativos. O Banco Mundial, que trabalha com sete fatores, além da renda, considerados estratégicos para definir mobilidade das famílias, apontando sua capacidade para superar a pobreza e os riscos de voltar a estágios anteriores, apontou avanço em todos os grupos observados - dos que vivem em estado de pobreza crônica aos que são pobres transitórios. Entre 1999 e 2011, a porcentagem de pobres na população brasileira passou de 35% para 17%, segundo a instituição. "De lá para cá os resultados melhoraram ainda mais. Se considerarmos apenas as famílias que vivem em estado de pobreza crônica, no núcleo duro da pobreza, onde a chance de evoluir é menor, entre 2003 e 2013 houve uma redução de 8% para 1%, segundo informações obtidas da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, do IBGE)", afirmou. No fundo, o que se observa é que a discussão tende a superar o Fla-Flu entre os que são a favor e contra o Bolsa Família.

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