Um nascedouro de votos

Influência do Bolsa no voto de quem recebe está diminuindo mas continua importante

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Por Valmar Hupsel Filho
Atualização:

Na última quinta-feira, 18, em um discurso emotivo em que lembrou suas origens humildes, a candidata do PSB à Presidência da República, Marina Silva, declarou publicamente que, se eleita, não vai acabar com o Bolsa Família. Quando estava em segundo lugar na disputa, Aécio Neves (PSDB) também se viu obrigado a dizer o mesmo. E assim tem sido com todos os adversários do PT desde 2006.

É fácil explicar o fenômeno: o programa de transferência de renda, criado em 2003 pelo governo Lula, tem sido a principal arma petista para minar o apoio eleitoral aos adversários. A eles é atribuída, aqui e ali, a intenção de acabar com ele. O benefício atende hoje 14,1 milhões de famílias - um universo de 23% do eleitorado brasileiro.

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Estudos feitos em 2010 davam números a essa tendência. Comparando-se os dez Estados onde a candidata do PT, Dilma Rousseff (PT), teve mais votos, com os dez Estados com maior cobertura do Bolsa Família, nota-se que sete deles estão nas duas listas. No entanto, a força do programa para influenciar o eleitor na hora de escolher em quem para presidente vem diminuindo ao longo dos anos, segundo Cesar Zucco, professor da Universidade de Princeton (EUA), que cruzou dados das eleições de 2006 e 2010. Ele comparou resultados eleitorais de cidades com perfis econômicos similares, mas com diferentes níveis de cobertura do programa. E inseriu neste material dados das eleições de 2002, quando o Bolsa Família, da maneira como é formatado hoje, ainda não existia, mas já havia programas de transferência de renda semelhantes.

A conclusão é que o Programa Bolsa Família exerceu, sim, impacto no voto para presidente - mas essa influência, além de ir arrefecendo ao longo dos anos, não foi exercida sobre o voto no partido mas no reforço da votação ao candidato do governo, qualquer que tenha sido.

O professor identificou, por exemplo, que entre aqueles que recebem o benefício há uma tendência entre 10% e 20% maior, a depender do ano analisado, de votar no candidato da situação, na comparação com pessoas de perfil semelhante que não fazem parte do programa. “Isso é curioso porque significa que (o programa de transferência de renda) beneficiou o candidato do PSDB em 2002 e o candidato do PT nas outras duas eleições, o que sugere que não tenha gerado um eleitorado ‘cativo’”, afirmou.

Hipóteses. Zucco aponta algumas hipóteses para o fenômeno, ressaltando que nenhuma foi testada diretamente. Uma delas, segundo ele, seria consequência do “retorno marginal decrescente” - ou seja, quanto mais o programa se expande menor é seu retorno eleitoral direto. “Também pode haver uma ‘normalização’ do programa tal qual ocorreu com a estabilização (da moeda brasileira) nos anos 90”, disse. “Há ainda outras explicações possíveis, mas não sabemos quais são as corretas”, completou.

O professor da FGV-Rio Carlos Pereira, pós-doutor em Ciência Política, acredita que a diminuição do apelo eleitoral do Bolsa Família se deve ao seu processo de institucionalização. Ou seja: o eleitor tende a identificar que é o governo e não um partido o responsável pelo benefício que recebe. “A influência é menos de partido e mais de governo”, afirmou.

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Por isso, mesmo com a diminuição da influência direta do programa sobre o voto, ele acredita que a presidente Dilma ainda pode extrair benefício eleitoral do Bolsa Família. Segundo ele, a estratégia de tentar colar nos adversários a pecha de que vão extinguir o programa tem sua eficácia porque, em seu entender, o candidato da situação impõe ao opositor uma postura defensiva. “O eleitor é avesso ao risco e está escaldado porque os políticos prometem e não cumprem. É mais fácil para o governante dizer que o benefício será mantido.”

Sinal de que o Bolsa Família ainda pesa, porém, é a pesquisa Ibope divulgada no início do mês, segundo a qual a maior vantagem proporcional de Dilma sobre Marina Silva (PSB) ocorre entre os cadastrados no programa. Os números mostram, neste período, um aumento nessa diferença. Na comparação entre o fim de agosto e o começo de setembro, Dilma cresceu de 50% para 57% nas intenções de voto dos beneficiários quando se faz a simulação de segundo turno.

No mesmo período e recorte de eleitorado, Marina caiu de 37% para 32%. Em nenhum outro segmento do eleitorado Dilma abre 25 pontos ou mais sobre a rival. Entre os eleitores que recebem outros benefícios do governo federal - como ProUni, Pronatec e Minha Casa Minha Vida -, os números são parecidos com as intenções de voto de quem não recebe nenhum deles. Na mesma pesquisa, no universo que abrange todos os eleitores, Marina liderava a disputa no segundo turno com 46% das intenções de votos contra 39% da petista. Os números mais recentes, de 16 de setembro, apontam 43% para Marina e 40% para Dilma no segundo turno.

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