Sem crescer, cortar imposto é pura ilusão

Velho sonho de reforma tributária esbarra em arrecadação que mal dá para o gasto

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Por Lu Aiko Otta
Atualização:

 BRASÍLIA - A conta não fecha. De um lado, os candidatos à Presidência da República prometem investir mais em saúde, educação, segurança, transportes. De outro, juram que não vão cobrar mais impostos e contribuições - o País já convive com uma carga tributária de 35,85% - e para muitos o problema não é que seja alta (o da França - ver gráfico acima - é de 45%), mas que o retorno que a sociedade recebe por ela é muito pequeno.

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A única coisa que faz o “milagre” de conciliar promessas com recursos, sem se abrir mão do equilíbrio das contas públicas é o crescimento econômico. Foi o que aconteceu no País de 2004 a 2011. Naquele período, com renda, faturamento e lucros em alta, a Receita bateu recorde em cima de recorde de arrecadação. O cofre cheio bancou novas e enormes despesas, provocadas pela política de aumento real do salário mínimo e por programas como o Bolsa Família e o Minha Casa Minha Vida.

A sequência de “pibinhos” do governo de Dilma Rousseff voltou a desequilibrar a equação. “De 2004 a 2011, você tinha um denominador (PIB) que digeria qualquer coisa que se colocasse no numerador (gastos)”, explica o economista Fernando Montero, da corretora Tullett Prebon. “Agora, ele engasgará com uma azeitona.”

Mais arrecadação. Para manter o sonho de realizações sinalizado pelos candidatos, restam dois caminhos: mais arrecadação ou mais endividamento. Assim, o risco é o contribuinte ser chamado a pagar a conta extra. “Não existe carga tributária alta ou baixa”, adverte o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. “A carga é sempre do tamanho da despesa.” 

Os gastos do setor público vêm aumentando no Brasil e em todo o mundo. Segundo especialistas, essa tendência reflete a opção pelo Estado de bem-estar social. E é essa a direção que os candidatos reforçam. Mas, para o economista Gabriel de Barros Leal, do Ibre-FGV, é incorreto achar que as manifestações de junho de 2013 pediram mais gastos sociais. “Elas pediram mais eficiência no gasto público e menos corrupção”, avalia. “Essa é uma agenda esquecida pelos governos, a da melhoria da gestão pública.”

Os especialistas apostam que, passada a eleição, o futuro presidente não terá outra escolha que não fazer a despesa do Estado caber dentro do PIB. “O gasto público será um dos primeiros desafios para o novo governo, independente da construção de uma nova agenda de gasto público”, comenta o diretor de Políticas e Estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Fernandes.

Sabatinas. A reforma tributária foi centro de uma série de sabatinas que a CNI realizou em julho com os três principais candidatos: Dilma Rousseff, Aécio Neves e o então candidato do PSB, Eduardo Campos. Os três se mostraram informados sobre o assunto. “Percebemos que o tema tributário está mais maduro”, diz Fernandes. Nenhum candidato chegou propondo uma “bala de prata”, uma reforma ambiciosa como tantas que naufragaram. Pelo contrário, eles apontaram para temas específicos - como, por exemplo, a reforma do PIS-Cofins, a tributação sobre investimentos e a burocracia. “As reformas têm de ser cirúrgicas”, concorda Everardo.

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Há uma compreensão de que a atual estrutura de gastos do governo não permite cortar a carga tributária de imediato. Mas, defende Fernandes, o futuro governo pode propor claramente uma agenda de mudanças no sistema de impostos e contribuições ao longo do tempo. E, evidentemente, evitar que a despesa cresça mais do que o PIB.

Na área técnica do governo, a avaliação é que dá para avançar com reformas, como as do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do PIS-Cofins, mesmo com o caixa restrito. Isso porque as mudanças no tributo estadual custarão, no primeiro ano, perto de R$ 1 bilhão em compensações pagas pelo Tesouro Nacional. 

E a do PIS-Cofins pode ser feita de modo a não trazer perda de arrecadação, mas ainda assim melhorar o dia a dia das empresas.

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