'Houve tentativa de se fazer uma campanha do vote no menos pior'

Ministro diz que o marketing político foi supervalorizado nesta campanha, deixando de lado assuntos de interesse do País

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Foto do author Beatriz Bulla
Por Beatriz Bulla e Mariangela Gallucci
Atualização:

Às vésperas da eleição, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Dias Toffoli, diz que o marketing político foi supervalorizado nesta campanha, deixando de lado assuntos de interesse do País, como economia, segurança pública e política externa. O marketing começa a prevalecer cada vez mais sobre o conteúdo, entende o ministro. "Como cidadão, o que esperamos, é que nos debates os candidatos apresentem suas opiniões, propostas, debatam a sociedade, ao invés de ficarem dentro de um 'modelito' feito pelos marqueteiros", criticou. Para o ministro, ficou clara no segundo turno, uma tentativa de fazer uma campanha do "vote no menos pior". Toffoli foi um dos defensores da adoção de uma postura mais rigorosa do TSE, para forçar os candidatos a deixarem os "ataques de baixo nível" de lado. "Qual vai ser a política externa do candidato A ou do candidato B? Eu não vi isso ser apresentado", comentou. Em entrevista ao Broadcast Político, o presidente do TSE defendeu o barateamento das campanhas eleitorais, a discussão da metodologia das pesquisas e afirmou que a Corte pretende editar súmulas para fazer o entendimento destas eleições valer daqui para frente. Confira abaixo os principais trechos da entrevista com o presidente do TSE: O nível das propagandas políticas melhorou depois da postura mais rigorosa do TSE? Os programas melhoraram qualitativamente do ponto de vista programático. É um bom motivo para repensar esse horário eleitoral gratuito. O que menos aparece, às vezes, é o candidato. Se fosse fazer uma análise de todas as campanhas, o marketing começa a prevalecer cada vez mais sobre o conteúdo.Mas o efeito disso ficou só para os programas do final da campanha. Por que a estratégia não foi adotada no primeiro turno? O tribunal historicamente sempre teve uma certa tolerância quando o nível de ataque se dá em proporção muito pequena. Mas o que ocorreu a partir do segundo turno foi uma tentativa de se fazer uma campanha do "vote no menos pior", ao invés de fazer a campanha positiva, do vote no melhor. No primeiro turno não houve ataques como houve no segundo turno. Pelo menos, essa é a leitura que eu faço.

Toffoli defendeu que TSE adote uma postura mais rígida com ofensas nas eleições Foto: André Dusek/Estadão

O TSE está pensando em mudar as regras da propaganda eleitoral? Podemos editar súmulas. Estamos fazendo estudos para depois do segundo turno simularmos as teses que prevaleceram ao longo das eleições. Com isso, dar maior segurança na interpretação das leis para toda a Justiça Eleitoral.Pode então virar uma súmula o entendimento de que não podem ser usadas matérias de jornais nas propagandas eleitorais para atacar? Vamos discutir isso na Corte depois das eleições. Isso é o que eu falo de lavagem da notícia. Vem a notícia de um jornal e você coloca no seu horário eleitoral gratuito. Aí se diz: a responsabilidade não foi minha.O senhor diz que o eleitor tem discernimento para analisar as campanhas eleitorais. Por que então este novo entendimento do TSE? A questão é a proporção que isso assumiu. Uma coisa é uma propaganda que tem 90% de atuação programática e uma crítica mais ácida de 10%, 5%. Outra coisa é candidaturas abandonarem toda uma proposição de programa de governo. Qual vai ser a política externa do candidato A ou do candidato B? Eu não vi isso ser apresentado. Deixa-se de dizer qual vai ser o seu programa social, qual vai ser o seu programa econômico, qual vai ser o seu programa de área de segurança, de política internacional.Qual eleitor foi alvo das campanhas no segundo turno? A disputa não estava naqueles que já têm a opinião formada. Estava em desconstruir a imagem do outro, para aqueles que ainda não tinham opinião. Isso é uma consequência do segundo turno. Parte-se do pressuposto de que quem votou em A continuará a votar em A. Quem votou em B, continuará a votar em B. Então, o que faz o marketing? Ao invés de continuar uma campanha propositiva, vai disputar o voto dos indecisos que não votaram naqueles candidatos. Eles têm duas opções: ou tentar conquistar os votos dos indecisos ou tentar fazer com que o indeciso não vote no adversário.Essa estratégia tem reflexos nos debates? Os debates foram dirigidos muito menos pelos candidatos e muito mais pelos marqueteiros. Como cidadão, o que esperamos, é que nos debates os candidatos apresentem suas opiniões, propostas, debatam a sociedade, ao invés de ficarem dentro de um "modelito" feito pelos marqueteiros. O modelo de marketing atual está supervalorizado. O debate tem de ser uma questão de convicção das ideologias e não algo que é feito só para o momento eleitoral.Como resolver isso? Temos de baratear as campanhas. É preciso limitar os gastos de campanha, vedar financiamento de campanha por pessoas jurídicas e estabelecer um teto de doação em valores fixos, não em valores proporcionais. No Brasil, os limites são proporcionais. Então, uma grande empresa pode doar mais do que uma pequena empresa. Com um teto, teríamos uma participação mais equânime.É necessário fazer mudanças nas pesquisas eleitorais? Em muitos casos teve uma diferença muito grande (entre pesquisas e resultados). O ministro Gilmar Mendes e o ministro Henrique Neves me provocaram para que após a eleição chamemos os principais institutos para ouvir sobre a metodologia. Existem pesquisas que têm margens de erros diferenciadas. Será que isso é admissível? Uma pesquisa tem o universo de 2 mil eleitores, outra tem universo de 4,6 mil. Será que dá para divulgar isso como sendo a mesma coisa? O resultado da pesquisa interfere no voto do eleitor? Se não fosse trazer algum benefício, o marqueteiro não colocaria.

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