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'Governo constitucionalista foi traído'

Por José Maria Mayrink
Atualização:

Para o sociólogo e professor emérito da USP, José de Souza Martins, não é possível dizer que o levante tenha sido exclusivo da elite paulista, pois teve amplo apoio da população e surgiu a partir de uma coalizão de forças políticas e sociais marcadas, porém, por interesses divergentes. Tanto que negociações internas na Revolução resultaram no fim do governo constitucionalista de São Paulo "não por derrota, mas por traição", defende Martins. Tampouco o governo Vargas saiu vitorioso, pois, em face do tamanho da reação paulista, Getúlio foi obrigado a incorporar várias de suas reivindicações. Na esteira de 32 também surgiu a USP, lembra Martins, que foi formalizada em 1934, com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. "A USP seria a imensa ponte entre a barbárie e a civilização, como de fato foi", diz Martins. 

 

A Revolução de 32 foi uma reação da elite paulista ou um movimento com respaldo popular?Na prática, o que alguns historiadores definem como "elite paulista" era uma coalizão de forças políticas e sociais marcadas por interesses opostos ou no mínimo divergentes. Algo aconteceu em São Paulo, a partir da Revolução de Outubro de 1930, que aplainou essas diferenças e aglutinou esses grupos, levando à Revolução de 9 de Julho, a Revolução Constitucionalista, algo que ainda não foi explicado. O governo da Frente Única paulista teve amplo apoio da população, embora não se possa dizer que, por suas metas, a Revolução tivesse um caráter popular.A que o senhor atribui a derrota dos constitucionalistas? Eles acreditavam na vitória, não?Ao longo de toda a Revolução, o poder civil caminhou separadamente do poder militar. O comandante da Força Pública, coronel Herculano de Carvalho e Silva, negociava secretamente com o governo federal a rendição de São Paulo, desautorizando o general Bertoldo Klinger, comandante da Revolução, que, por sua vez, negociava um armistício difícil e mais exigente com o general Goes Monteiro, comandante das tropas federais. Getúlio Vargas acabou nomeando o coronel Herculano como governador militar do Estado de São Paulo, em 2 de outubro, que depôs o governador Pedro de Toledo e seu secretariado. O governo constitucionalista de São Paulo não foi derrotado, foi traído. Como a revolução se refletiu no cotidiano da população, enquanto durou a luta?Nos primeiros dez dias, tanto na capital quanto no interior, a vida continuou normalmente, como se nada estivesse acontecendo. Apenas aqui e ali havia alguma alteração da rotina em consequência da mobilização de civis para formarem o Exército Constitucionalista e para as tarefas da logística, no caso de que o enfrentamento armado de fato ocorresse, como ocorreu. Os combates se deram em áreas rurais, longe, portanto, dos lugares em que havia, propriamente, uma vida cotidiana. Quais foram as principais consequências posteriores para a sociedade, mesmo tendo sido os derrotados os paulistas?A derrota foi relativa. O governo Vargas tampouco saiu vitorioso da Revolução de São Paulo. Em face do tamanho da reação paulista teria sido loucura o governo federal não incorporar várias de suas metas, como teria sido loucura dos paulistas não incorporarem várias possibilidades históricas que se abriram com a derrota do regime oligárquico pela Revolução de Outubro de 1930. Tanto 1930 quanto 1932 quebraram estruturas tradicionais de dominação e abriram caminho para que novos sujeitos se expressassem politicamente, caso da mulher.Como se enquadra aí a criação da USP?A formalização da USP, em 1934, se deu com a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e, portanto, com a opção pela pesquisa científica nas diferentes áreas do conhecimento, pelas Humanidades e a educação como núcleo aglutinador dos vários institutos já existentes. A USP, em grande parte, não foi pensada como reação à ditadura, mas como superação do vazio cultural que a ditadura representava e a Revolução demonstrara. A USP seria a imensa ponte entre a barbárie e a civilização, como de fato foi.

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