Aécio: De pós-Lula a Antipetista

Para pavimentar plano de chegar ao Planalto Aécio Neves, candidato do PSDB, promove um processo de desconstrução da imagem de conciliador, se afasta do ex-presidente e investe num perfil mais conservador

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Por Pedro Venceslau
Atualização:
 Foto: André Dusek/Estadão

Aécio Neves, 54 anosEstado civil: CasadoPartido: PSDBColigação: DEM, PTB, SDD, PT do B, PMN, PTC, PTN e PEN.Formação: EconomistaCargos que já ocupou: Foi deputado federal de 1986 a 2002 e presidiu a Câmara dos Deputados em 2001. Elegeu-se governador de Minas Gerais em 2002,foi reeleito em 2006 e, em 2010, chegou ao Senado

 

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Pouco depois de ser eleito presidente da República em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva foi a Belo Horizonte para um encontro com o então governador de Minas Gerais, Itamar Franco. Apesar de ser filiado ao PMDB, o ex-presidente que lançou o Plano Real e projetou o tucano Fernando Henrique Cardoso não disputou a reeleição. Preterido pelo partido, que lançou Newton Cardoso, Itamar trabalhou abertamente por um tucano, o deputado Aécio Neves, que acabou eleito. No fim da conversa, Lula fez uma revelação ao interlocutor. “Aécio será tratado como um governador do PT.” Nos oito anos em que esteve à frente do governo mineiro, Aécio cultivou a imagem de amigo do partido de Lula. Petistas insatisfeitos com a proximidade diziam que ele era um “tucano de bico vermelho”. Aécio apresentava-se como um conciliador, e falava no “pós-Lula”, sugerindo ser o único capaz de unir os dois adversários nacionais em um futuro projeto comum.

Nas eleições municipais de 2008, por exemplo, Aécio, então governador, fez aliança com então prefeito petista de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, em torno da candidatura do secretário de Desenvolvimento Econômico de Minas, Marcio Lacerda, do PSB.

Para pavimentar o plano de chegar ao Palácio do Planalto, entretanto, o tucano promoveu um processo de desconstrução dessa imagem. No Senado e, principalmente, na presidência nacional do PSDB, abraçou o antipetismo como causa, mas sempre tomando o cuidado de preservar Lula e seu “legado”. Ou seja: os programas de transferência de renda. “Hoje, o Brasil está pior do que há quatro anos. O Brasil, que vinha bem, perdeu o rumo”, disse o candidato em tom solene em seu primeiro discurso na propaganda eleitoral na TV.

A estreia dessa estratégia em rede nacional aconteceu bem antes, em maio de 2013, no popular Programa do Ratinho, no SBT. “Lula teve a virtude de juntar todos os programas do governo FHC em um só, que virou o Bolsa Família.” Um tucano que acompanhou de perto as últimas campanhas presidenciais do partido diz que a tática funciona como um “antídoto” contra o previsível discurso do medo, que não foi bem combatido por José Serra e Geraldo Alckmin nos pleitos anteriores.

O norte da campanha continuou o mesmo depois da surpreendente entrada de Marina Silva na disputa. Na mais recente pesquisa Datafolha, Dilma registrou 34% de rejeição – a mais alta entre os candidatos. “Não vamos criar fantasmas. Nossos adversários continuam sendo o PT e a Dilma”, diz o senador José Agripino (DEM), coordenador da campanha de Aécio.

Família. A perspectiva de uma disputa fora da zona de conforto das fronteiras mineiras exigiu outra reformulação da imagem que Aécio construiu em Minas – essa, mais delicada. Desde o começo, os marqueteiros de Aécio preocupavam-se com sua fama de boêmio e conquistador de beldades famosas. Isso nunca incomodou o eleitor mineiro, mas na campanha presidencial poderia ser fatal. “Sempre tentaram colar nele a fama de playboy, mas isso nunca colou. Aécio teve a sabedoria de frequentar boates fora de Minas. Se fosse aqui, estaria perdido”, brinca José Eustáquio de Oliveira, o “Taquinho”, que foi assessor de Tancredo no governo mineiro no mesmo período em que Aécio “carregava a mala” do avô.

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No governo de Minas, Aécio sempre respeitou o que costumava chamar de liturgia do cargo, mas fazia questão de ressaltar que o fato de ser homem público não o impedia de levar uma vida normal, de sair e se divertir.

Ao se desincompatibilizar do governo de Minas para se candidatar ao Senado em 2010, o mineiro foi aos poucos adotando uma imagem mais sóbria. Os primeiros fios brancos começaram a despontar no cabelo do tucano. Gabriela, filha mais velha do primeiro casamento do candidato, passou a acompanhar o pai com mais assiduidade em várias agendas pelo País.

Em outubro do ano passado, quando já viajava rodando o Brasil em ritmo de pré-campanha, casou-se com Letícia Weber, de 34 anos. No dia 8 de junho nasceram, prematuros, os filhos gêmeos do casal – Bernardo e Júlia. O casal de bebês ficou internado na UTI neonatal do hospital, drama que foi compartilhado com a imprensa.

No Dia dos Pais, o pequeno Bernardo recebeu alta após 65 dias internado. Ao lado da Letícia Weber, Aécio deixou a Clínica Perinatal, em Laranjeiras, na zona sul do Rio, com o filho no colo. Deu ali mesmo uma entrevista coletiva dizendo que apresentará um projeto de lei propondo que o período de quatro meses de licença-maternidade das mães de filhos prematuros comece a contar a partir da alta do bebê. Disse também que pretende ampliar os leitos de UTIs neonatal na rede pública.

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Antes do início da campanha eleitoral na TV, a equipe de Aécio produziu um desenho animado para reforçar a blindagem contra eventuais ilações sobre seu passado “baladeiro”. “Aos 11 anos, Aécio mudou-se com os pais para o Rio de Janeiro, onde viveu sua adolescência. Lá estudou e começou a trabalhar. Aécio gostava de jogar futebol e de surfar, mas não era de viver à toa. Aos 17 anos descolou emprego em uma revendedora de carros em Botafogo e entrou na economia da PUC”, dizia o vídeo.

Mesmo com a projeção nacional que conquistou ao assumir a presidência da Câmara dos Deputados, em 2001, quando tinha apenas 41 anos, Aécio conseguiu manter-se em evidência durante a gestão no Estado natal. No Palácio da Liberdade, além do figurino de político conciliador, ele mobilizou forças internas para enfrentar o poderio dos paulistas no PSDB. Rivalizou com José Serra até onde deu, para ser considerado como opção para a campanha de 2010. Assim, com a vitória da petista Dilma Rousseff, credenciou-se como nome natural para a disputa deste ano.

No primeiro desenho da estratégia de comunicação de Aécio, o nome forte do seu marketing era o antropólogo Renato Pereira, que ganhou prestígio após comandar a campanha de Henrique Capriles contra Hugo Chávez na Venezuela em 2012. Mas a parceria terminou em dezembro do ano passado. A versão oficial é que os dois tinham “diferenças de visões”. Mas, segundo pessoas que trabalharam na equipe de Pereira, o motivo do rompimento foi outro. O marqueteiro teria entrado em atrito com a irmã de Aécio, Andrea Neves.

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Jornalista, Andrea sempre teve forte ascendência sobre o irmão, atuando como uma espécie de guardiã de sua imagem. No primeiro governo de Aécio em Minas, ela coordenou um grupo de comunicação que comandou a estratégia de comunicação do Estado. Na pré-campanha, Andrea recebeu carta branca do irmão. Foi ela, por exemplo, quem montou uma estrutura de atuação nas redes sociais que operava em Belo Horizonte fora do radar da campanha oficial.

Renato Pereira acabou sendo substituído por Paulo Vasconcellos, o marqueteiro que trabalhou com os irmãos Neves em todas as campanhas.

Presidente. Para os críticos, a passagem de Aécio pelo governo de Minas foi marcada por uma postura dócil da imprensa local. Ao retornar ao Congresso, o tucano já esperava um ambiente mais hostil. Nos dois primeiros anos de mandato, foi cobrado pela atuação considerada “apagada” na Câmara Alta. Essa postura mudou no primeiro semestre de 2013, quando Aécio começou a admitir a candidatura presidencial. Já com o controle do partido, o mineiro decidiu assumir a presidência do PSDB para ter liberdade de ação mais de um ano antes da convenção nacional que o escolheu como presidenciável tucano.

Naquele momento já estava consolidado seu discurso antipetista, que se afastou de Lula e cujo projeto presidencial foi apadrinhado por Fernando Henrique Cardoso – fundamental para que Aécio fincasse bases em São Paulo. Para atrair votos no maior colégio eleitoral do País, ele moldou uma imagem mais conservadora na política e na economia, adequada ao eleitorado do Estado.

“Queremos tirar o País das garras de um partido político que se esqueceu de suas origens e da sua história”, afirmou o tucano ao assumir a presidência do PSDB. Claramente, a tática passava pela reedição da polarização com o PT e a aposta no desgaste dos 12 anos de poder dos partidários de Lula. Isso, procurando sempre ressaltar que as conquistas sociais não ficariam ameaçadas. Pelo contrário, poderiam ser ampliadas com uma gestão pública mais eficiente.

Governador. A vitrine do governo de Minas, contudo, virou vidraça quando, em 20 de julho, o jornal Folha de S.Paulo revelou que o governo mineiro gastou quase R$ 14 milhões na construção de um aeroporto no município de Cláudio, em área desapropriada de seu tio-avô, Múcio Tolentino. A pista, que fica localizada a 6 km de uma propriedade da família do senador, começou a ser construída em 2008, no segundo mandato de Aécio, e ficou pronta em outubro de 2010 – quando ele já havia deixado o governo. A reportagem mostrou que o local era administrado por familiares de Aécio.

O episódio gerou desgaste na imagem do mineiro, que demorou a admitir que usou a pista ainda não homologada pela Agência Nacional de Aviação Civil. Embora tenha sempre afirmado que não via irregularidade no investimento público, o caso deixou Aécio na defensiva durante a primeira das entrevistas de candidatos à Presidência na bancada do Jornal Nacional, da TV Globo.

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Na pré-campanha, Aécio procurou se aproximar de Eduardo Campos, o candidato do PSB, tentando atrelar um eventual apoio do ex-governador num 2.º turno com Dilma. Campos, sob pressão de sua então vice, Marina Silva, rejeitou a investida e preferiu seguir o roteiro original da proposta de terceira via. Após a morte de Campos – em um acidente aéreo, no dia 13, em Santos (SP) – e a ascensão de Marina como candidata a presidente, o tucano tenta agora reafirmar que é sua candidatura, e não a de Marina, que representa o antagonismo ao projeto do PT.

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