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Entre a certeza da crise e a crise de incertezas

Por Jose Roberto de Toledo
Atualização:

Como presidente, Michel Temer tinha uma única e exclusiva missão, delegada pelo empresariado e referendada pelo Congresso: mudar as legislações trabalhista, previdenciária e quais mais pudesse. Podia. Não há clima para aprovar mais nada, como disse o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), após saber que Temer fora gravado recomendando que o empresário Joesley Batista, dono da JBS/Friboi, continuasse comprando o silêncio do antecessor de Maia, Eduardo Cunha, com porções fatiadas de dinheiro.

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Se não consegue mais aprovar o que lhe foi delegado, Temer perdeu a função e, por tabela, o único apoio que o sustentava - já que, na sociedade, a impopularidade do atual presidente é comparável às de Collor e Dilma antes de sofrerem o impeachment.

Sempre rápido no gatilho, o mercado jogou a cesta de papéis do Brasil mais de 11% gráfico abaixo, nas negociações after-hours de Nova York. Sob anonimato, executivos financeiros disseram ao jornal Valor que o governo acabou e Temer deve sair.

Se perder o apoio dos grandes empresários, o presidente perderá cacife fundamental para sustentar sua fisiológica base parlamentar. Depois de Joesley, quem mais vai topar negociar contribuições financeiras para políticos por indicação de Temer?

O Planalto virou uma Fukushima. Aproximar-se do governo agora é arriscar-se a contaminação radiativa - como era nos estertores de Dilma. E não é só o risco de impeachment. Deve ser julgado em dias o processo contra a chapa Dilma/Temer no Tribunal Superior Eleitoral. Os ministros vão ouvir as gravações do dono da JBS.

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Se insistir em permanecer no cargo, como disse ontem que faria, Temer deve, rapidamente, virar um cadáver político insepulto. As pressões para que saia se multiplicarão, nas ruas e nos bastidores, rumo ao insuportável. Seus apoios lhe escorrerão das pequenas mãos, até alguém surgir com uma proposta de acordo em troca da renúncia. Aí restará discutir o timing.

Gerir o tempo é importante porque a sucessão de Temer não é óbvia nem direta. Pela Constituição, caberia ao Congresso eleger o novo presidente para completar o mandato que era de Dilma e sobrou para seu vice, porque dele já transcorreu mais da metade.

Mas a Justiça eleitoral acabou de cassar o governador do Amazonas e determinou que a eleição de seu sucessor se dê por voto direto, não por escolha da Assembleia. O precedente não tem aplicação automática no atual caso do presidente da República (o Tribunal Regional Eleitoral cassou José Melo antes de ele completar metade do mandato, e o TSE agora só ratificou), mas indica um caminho alternativo para evitar outra crise.

Qual? A crise de representatividade do Congresso. Com taxa recorde de rejeição, a atual legislatura teve um presidente da Câmara cassado e preso, além de toda a sua cúpula estar sob suspeita pelas delações de empreiteiros no âmbito da Lava Jato. Mas tampouco o problema acaba aí.

A mesma JBS/Friboi doou R$ 55,4 milhões para ajudar a eleger pelo menos 177 deputados federais em 2014. Mais de um terço da Câmara está sujeito a constrangimentos semelhantes ao enfrentado por Temer, se Joesley continuar falando aos investigadores.

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Sem contar senadores como Aécio Neves, presidente do PSDB, que o empresário acusa de ter lhe pedido R$ 2 milhões para custear sua defesa na Lava Jato - com direito a gravação em vídeo da entrega de uma das remessas de dinheiro a um intermediário do tucano.

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Mesmo que tenha legalmente o direito, como esse Congresso terá isenção e respaldo popular para eleger um novo presidente diante de tantas evidências de seu comprometimento por corrupção? E se elegê-lo, quanto apoio da sociedade terá o governante-tampão? Qual será sua agenda? A mesma de Temer? Quais interesses ele estará representando? Os da população, os dos parlamentares, os dos lobbies dos grupos de pressão?

Eleição indireta, a esta altura do campeonato de desgastes políticos universais, é arriscar as fichas em uma crise sem fim. A alternativa, convocar eleições diretas, tampouco é indolor. Ninguém se preparou para um campanha eleitoral antecipada. O maior beneficiado seria quem lidera as pesquisas, Lula. Por ser mais conhecido que os concorrentes diretos - Doria e Bolsonaro - e porque não haveria tempo hábil para ele ser condenado em segunda instância antes de os eleitores irem às urnas.

Essa vantagem clara para um dos lados vai pesar contra a opção pelas eleições diretas, pelo menos para os que seriam mais prejudicados pela mudança do calendário - no caso, o PSDB. Mas e os outros partidos? Qual cálculo farão? Em quais circunstâncias suas chances de sobrevivência política seriam mais altas?

A permanência de Temer é certeza de crise. Sua substituição, uma crise de incertezas.

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