O recente escândalo do governo é bastante prosaico na patrimonialista política brasileira: uma possível pressão para que o ministro da Cultura, Marcelo Calero, interviesse em órgãos de proteção ao patrimônio para mudar sua decisão e autorizar a construção de um prédio onde Geddel, ministro da Secretaria de Governo, teria um apartamento.
Depoimento do agora ex-ministro da Cultura à polícia federal sugere que o próprio Presidente da República, Michel Temer, e o ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, teriam ignorado as denúncias feitas contra Geddel, buscando intervir em favor dos seus interesses escusos.
Caso isso se confirme, não só Geddel pode sofrer eventual ação penal, como também Padilha e Temer, já que em tese essa conduta pode ser considerada criminosa, na figura de corrupção ou de advocacia administrativa, ou ao menos uma condescendência criminosa.
A Constituição protege o mandato de um Presidente da República com o objetivo de preservar a vontade eleitoral. Isso não significa, entretanto, que um presidente seja absolutamente imune. A lei diz que um presidente só pode ser processado por crime comum se ele for cometido no exercício da função e se tiver autorização da Câmara dos Deputados. Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal é o local de investigação e julgamento, ficando o Presidente afastado se alguma denúncia for recebida.
Há, também, outra hipótese: o processo de impeachment por crime de responsabilidade, no qual Câmara e Senado julgam o presidente. O recente impeachment de Dilma Rousseff mostrou o quanto esse é um processo político, dependente da vontade das instâncias representativas.
A denúncia envolvendo Geddel e seu apartamento em Salvador teria enorme impacto em qualquer república. Porém, no Brasil, tomou proporções ainda maiores quando o governo decidiu repelir as acusações e abraçar, condescendentemente, o suspeito.
Eloísa Machado de Almeida, professora e coordenadora do Supremo em Pauta FGV Direito SP