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Reabilitação de padre causa dúvidas na Igreja

A decisão do papa Francisco de reabilitar o padre Miguel D'Escoto, ligado à Teologia da Libertação e aos sandinistas, provoca indagações sobre rumos da Igreja

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Por Roldão Arruda
Atualização:

A suspensão, pelo papa Francisco, da punição imposta há trinta anos ao padre nicaraguense Miguel D'Escoto, permitindo que volte a celebrar missas, causou surpresa e polêmica no meio católico.

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O padre é um expoente da Teologia da Libertação em seu país e havia sido suspenso em 1984 pelo papa João Paulo 2.º , por sua militância política. A nova decisão de Roma põe em dúvida a relação do pontífice com essa corrente do pensamento católico. Francisco estaria se aproximando da Teologia da Libertação? Pretende reabilitar mais padres desse corrente?

Na década de 1970, o padre D'Escoto apoiou o movimento da Frente Sandinista de Libertação Nacional contra a ditadura de Anastasio Somoza. Após o triunfo dos guerrilheiros, ele foi indicado para o ministério de Relações Exteriores, no primeiro governo de Daniel Ortega.

Seus problemas com o Vaticano começaram em 1978, após a ascensão de João Paulo 2.º - pontífice que nunca simpatizou com a Teologia da Libertação e muito menos com os sandinistas. Em mais de um momento D'Escoto e outros integrantes do clero envolvidos com a revolução nicaraguense foram advertidos de que suas atividades sacerdotais eram incompatíveis com a política.

Em 1984, D'Escoto foi finalmente suspenso 'a divinis'. Alegou-se que desafiara os cânones da Santa Sé, segundo os quais padres não podem ocupar cargos políticos. Durante 30 anos o sacerdote ficou proibido de celebrar a missa e exercer qualquer outra atividade pastoral.

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Na segunda-feira, 4, o Vaticano comunicou que o papa deu seu acordo para a revogação da suspensão. Segundo a mesma fonte, a decisão decorreu de uma carta enviada ao papa por D'Escoto, hoje com 81 anos, na qual manifestava o desejo de voltar a celebrar a Eucaristia antes de morrer.

"Estou feliz por poder celebrar a missa outra vez", disse o ex-ministro sandinista a jornalistas nicaraguenses após receber a notícia. Também disse que, apesar de considerar a punição injusta, entendia o ponto de vista legal de quem a tomou.

A decisão causou surpresa porque, segundo alguns especialistas em religião, o papa Francisco não mostrou simpatia pela Teologia da Libertação enquanto atuou em seu país de origem, a Argentina. Como superior da ordem dos jesuítas, teria convivido com vários seguidores dessa corrente teológica e pastoral que prosperou por toda a América Latina, mas nunca teria se mostrado favorável a eles.

A notícia divulgada pela Rádio Vaticano sobre a suspensão da punição provocou imediatamente manifestações de apoio nos chamados setores progressistas da Igreja e críticas de grupos ultraconservadores em diversas partes do mundo.

No Brasil, o teólogo Leonardo Boff, que também sofreu perseguições no pontificado de João Paulo 2.º, disse à revista Isto É que não viu novidade na decisão sobre D'Escoto. Na avaliação dele, o papa Francisco sempre esteve próximo da Teologia da Libertação. Teria sido a partir dela que optou por viver de maneira simples e mais próximo dos pobres.

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Em artigo publicado no El Pais sobre o episódio, o professor Juan Bedoya, especialista em assuntos religiosos, escreveu que a suspensão de punições não é comum na Igreja. Lembrou que João Paulo 2.º afastou muitos padres ligados à Teologia da Libertação em diversas partes do mundo, mas que os casos mais estrondosos ocorreram na Nicarágua, no período da revolução sandinista.

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Segundo Bedoya, a perseguição se tornou mais acentuada quando o governo dos Estados Unidos iniciou uma guerra não declarada aos sandinistas, para desalojá-los do poder. (Essa e outras alianças políticas entre João Paulo 2.º e Reagan foram bem contadas pelos jornalistas Carl Bernstein e Marco Politi no livro His Holiness - John Paul 2.º and the hidden history of our time. O horror do papa à presença de clérigos na política era voltado quase sempre aos que militavam na esquerda.)

Resta agora aguardar novos sinais para saber com mais clareza para que lado pende o coração de Francisco e, com ele, a Igreja.

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A íntegra do artigo de Bedoya pode ser lida no El Pais.

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A entrevista de Leonardo Boff está na Isto É.

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