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Juíza que condenou Ustra põe em xeque Lei da Anistia e decisão do STF

No texto da sentença em que condenou o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra a pagar R$ 100 mil por danos morais à família de um prisioneiro político que morreu sob tortura, a juíza Claudia de Lima Menge questionou a interpretação da Lei da Anistia de 1979. Para ela, o debate sobre o alcance da lei não se encerrou com a decisão adotada em 2010 pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Na ocasião, os ministros concluíram que a lei beneficiou tanto os perseguidos pela ditadura militar (1964-1985), quanto os perseguidores - os agentes de Estado acusados de crimes de violação de direitos humanos.

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Por Roldão Arruda
Atualização:

A juíza, que atua na 20ª Vara Cível do foro central de São Paulo, abordou o tema da anistia de duas maneiras no texto da sentença de sete páginas. No primeiro momento, de maneira direta, ela diz que sua decisão não tem relação com a Lei da Anistia nem com a decisão do STF. A indenização por danos morais que deve ser paga à familia de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, que morreu em 1971, em decorrência de torturas sofridas no DOI-Codi, está restrita à área cível, esclarece. A anistia, por sua vez, ficaria no âmbito exclusivamente penal.

"A lei não trata da responsabilidade civil pelos atos praticados no chamado período de exceção", diz a juíza. "É certo que a anistia como causa de extinção da punibilidade e focada categoria de direito penal não implica a imediata exclusão do ilícito civil e sua consequente repercussão indenizatória."

 Foto: Estadão

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Logo em seguida, porém, ela retoma o tema de maneira mais teórica e contestória.Diz: "Não é de olvidar, porém, que até mesmo a anistia assim referendada pela Corte Suprema não está infensa a discussões, tendo em conta subsequente julgamento proferido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em que o Brasil foi condenado pelo desaparecimento de militantes na guerrilha do Araguaia, enquadrados os fatos como crimes contra a humanidade e declarados imprescritíveis."

Tratados internacionais

Um pouco mais adiante, ela volta a abrir espaço para tangenciar o debate teórico. Lembra que o Brasil é signatário de tratados internacionais sobre direitos humanos que se sobrepõem às leis locais. Diz:  "Ostenta especial relevância considerar que a atual configuração interrelacionada dos diversos países, integrantes de organizações internacionais voltadas para fins políticos, econômicos e sociais, e a intensa movimentação de pessoas entre as várias nações, faz com que a regulamentação acerca do respeito aos direitos humanos e das consequências dos atos praticados afronta deles transcenda largamente a posição soberana dos Estados para se basear, isto sim, em cada pessoa, como titular de direitos essenciais, independentemente da nacionalidade e do local em que esteja. Daí a relevância dos tratados internacionais acerca de direitos humanos, vez que como direitos essenciais não podem sofrer injunções ou considerações locais, com base no poder constituinte, quer originário, quer derivado."

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A juíza lembra os tratados dos quais o País é signatário: "Desde 1992, o Brasil ratificou a Convenção Internacional de Direitos Humanos e, em 1998, reconheceu a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos para o trato do tema. Em recente julgamento, referida Corte reconheceu a invalidade da Lei da Anistia porque afetou o dever internacional do Estado de investigar e punir as graves violações de direitos humanos, ao impedir que os familiares das vítimas no presente caso fossem ouvidos por um juiz, conforme estabelece o artigo 8.1 da Convenção Americana, e violou o direito à proteção judicial consagrado no artigo 25 do mesmo instrumento, precisamente pela falta de investigação, persecução, captura, julgamento e punição dos responsáveis pelos fatos, descumprindo também o art. 1.1 da Convenção."

O coronel Ustra comandava o DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações - Centro de Operações de Defesa Interna,ogados do Brasil), vinculado ao Exército, quando Merlino foi preso e levado para as dependências daquela instituição. De acordo com a sentença, o réu tem responsabilidade pelos fatos que resultaram na morte do militante e por isso terá que pagar R$ 50 mil a Angela Maria Mendes de Almeida, companheira, e Maria Merlino Dias de Almeida, irmã.

Morte sob tortura

Merlino era jornalista e militava no Partido Operário Comunista (POC). No dia 15 de julho de 1971, quando visitava a família em Santos, no litoral paulista, foi levado preso por agentes do DOI-Codi do 2.º Exército. Segundo relatos de testemunhas, passou por várias sessões de tortura, até sua morte, quatro dias depois. Uma das pessoas que prestaram testemunho sobre as violências que ele sofreu foi o ex-preso político e ex-ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi.

De acordo com a versão oficial divulgada na época pelo Exército, Merlino cometeu suicídio. Teria se jogado na frente de um carro quando era transportado ao Rio Grande do Sul para reconhecer colegas militantes.

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