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Corte da OEA pede explicações ao Brasil sobre fracasso na busca de desaparecidos da Guerrilha do Araguaia

A pedido de familiares, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, vinculada à OEA, pediu explicações ao Brasil sobre a demora na localização e identificação dos restos mortais dos participantes da Guerrilha do Araguaia. O prazo para o governo responder à interpelação expira no dia 31 de agosto.

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Por Roldão Arruda
Atualização:

Em 2010, ao julgar ação movida por familiares de desaparecidos, a corte havia determinado ao Estado brasileiro que localizasse e devolvesse aos familares os restos mortais. O Brasil respondeu na ocasião que já estava desenvolvendo ações com este objetivo, por meio de expedições à região do conflito, no sul do Pará. Até agora, porém, nenhum guerrilheiro desaparecido foi localizado e identificado.

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Em abril deste ano, os mesmos familiares, representados pela organização não governamental Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), retornaram à corte, dessa vez para manifestar insatisfação com os resultados das buscas.

A reclamação aparece num longo documento, com 120 páginas, no qual os familiares tratam de diferentes questões relacionadas à decisão da corte. Uma delas refere-se às buscas. Eles acusam o governo de trabalhar sem métodos científicos, desperdiçando recursos públicos. Seria mais eficiente e econômico, argumentam, se as Forças Armadas abrissem seus arquivos secretos e revelassem quais os lugares onde foram deixados os corpos dos guerrilheiros.

Os familiares também criticam o governo por não investir na análises dos restos mortais já localizados e transferidos para Brasília. No total, são 19 ossadas que aguardam identificação.

De acordo com informações do governo, no período de 2009 a 2011 as buscas na região do Rio Araguaia custaram R$ 5,4 milhões aos cofres públicos. Neste ano, segundo previsões do Ministério da Defesa, os gastos devem chegar a R$ 2,5 milhões.

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 Foto: Estadão

"É muito dinheiro, se você considerar que as expedições andam de um lado para outro sem orientação, sem metodologia científica. Se continuar dessa maneira, é melhor usar o dinheiro para a construção de escolas e hospitais", diz a professora aposentada Vitória Grabois, filha do dirigente guerrilheiro Maurício Grabois, desaparecido desde 1973.

Signatária do documento enviado à corte, ela diz que boa parte dos familiares se afastou das buscas oficiais. "Já estive duas vezes na região. Agora me recuso a participar de expedições que se destinam apenas a demonstrar a boa vontade do governo. Isso não basta."

O governo deverá enviar explicações à Corte Interamericana dentro do prazo previsto, segundo Gilles Gomes, representante da Secretaria de Direitos Humanos no Grupo de Trabalho Araguaia, criado especialmente para realizar as buscas. De São Geraldo do Araguaia, no Pará, onde se encontrava na semana passada em mais uma expedição, ele disse por telefone que serão detalhados os trabalhos já executados, as dificuldades na localização e na identificação de corpos desaparecidos há quase quarenta anos.

Gomes também rebateu as críticas dos familiares. "Os documentos oficiais são importantes, mas não se pode exagerar. Há um certo fetichismo em torno desses documentos. Eles podem ter pistas, mas não resolvem todos os problemas. Não está descartada a hipótese de já terem sido realizadas operações de limpeza na região."

Essas operações, segundo Gomes, teriam consistido na retirada e transferência dos restos mortais dos locais onde foram originalmente depositados. Ele não soube a quem atribuir essas ações, mas, enfatizou que o objetivo seria impedir a localização dos desaparecidos.

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 Foto: Estadão

O documento que os familiares descontentes encaminharam à instituição é assinado pela seção carioca do Grupo Tortura Nunca Mais e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo, representados pelo Cejil. "Os familiares se preocupam com a falta de transparências nas ações do governo, especialmente no que se refere à coleta e à partilha das informações. Nem tudo que os militares sabem é compartilhado", diz a cientista política Beatriz Affonso, diretora da ONG. "Eles também querem que o governo utilize técnicas mais avançadas e apropriadas para a identificação dos restos mortais."

Os familiares ainda reclamam do número de militares nas expedições, que consideram excessivo. Para eles, o aparato militar acaba inibindo os moradores da região que poderiam dar informações.

Nem todos os familiares romperam com as operações do governo. A expedição que se encontra agora em Xambióa, Tocantins, reúne seis deles. Joaquim Patrício, irmão de José Maurílio Patrício, guerrilheiro desaparecido desde 1974, faz parte do grupo. "É muito difícil chegar à verdade por aqui, mas vejo muito esforço da equipe", disse ele, por telefone.

 Foto: Estadão

O conflito entre os guerrilheiros do PC do B e as Forças Armadas ocorreu entre 1972 e 1974. Em 1980 os familiares tomaram a iniciativa de organizar as primeiras buscas dos desaparecidos.

O governo federal iniciou as expedições oficiais em 2009, atendendo a uma determinação da juíza federal Solange Salgado, favorável aos pedidos dos familiares em busca de informações. Na época foi criado o Grupo de Trabalho Tocantins, no interior do Ministério da Defesa.

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Em dezembro de 2010 os familiares obtiveram outra vitória, dessa vez na Corte Interamericana, vinculada à Organização dos Estados Americanos (OEA). No meio de uma série de tarefas que o Estado brasileiro deveria cumprir, a corte destacou a realização de esforços para "determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas". Logo depois dessa decisão, o governo reformulou suas atividades, criando o Grupo de Trabalho Araguaia, com a participação dos ministérios da Justiça, Defesa e Direitos Humanos.

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