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Movimentos, direitos, ideias

Amigo de pontífices, d. Eugenio não tolerava indisciplina

Em outubro de 1997, o cardeal Eugenio de Araujo Sales me recebeu para uma conversa, em seu gabinete, na sede da Arquidiocese do Rio, no centro da cidade. Eu havia solicitado uma entrevista, para ser publicada com perguntas e respostas, mas ele não quis. Só concordou em me receber se, em vez de entrevista formal, tivéssemos uma conversa, da qual eu poderia extrair um texto, apresentando suas ideias.

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Por Roldão Arruda
Atualização:

O encontro rendeu uma página na edição dominical do Estado do dia 12 de outubro de 1997. Para acessá-la, no acervo histórico do jornal, basta clicar no link: http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19971012-37979-nac-0023-ger-a20-not

Ele foi bastante cordial. Estava eufórico com o resultado da vitoriosa e recém-terminada visita do papa João Paulo II ao Rio, da qual ele havia sido o principal artífice. Vivia um momento de enorme prestígio e poder no interior da Igreja.

 Foto: Estadão

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Fiquei surpreso com sua vitalidade, considerando que tinha 77 anos, a memória poderosa, a fluência na conversa, e a disposição para dizer o que pensava. Não me surpreendeu o ideário conservador, que conhecia de seus textos, nem o gosto pelas articulações de bastidores, que já presenciara nas assembleias anuais de bispos, no Mosteiro da Vila Kotska, em Indaiatuba. Também me pareceu familiar sua afeição à disciplina.

Teria sido um bom militar, ou um bom patriarca sertanejo, se não tivesse seguido a carreira religiosa, pensei. Também lembrei da conversa com um jornalista que convivera com o cardeal no Rio e me contara que, na ditadura, ele vivia às turras com os militares que prendiam seus padres, sob a acusação de práticas subversivas. A irritação do cardeal, disse o jornalista, não se devia a questões ideológicas ou a qualquer simpatia pelo pensamento de esquerda, mas à questão disciplinar e hierárquica.

Na concepção de d. Eugenio, se alguém tinha alguma reclamação contra seus comandados, devia se dirigir a ele. Como superior hierárquico, cabia ao cardeal se o padre merecia castigo.

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O cardeal confirmou isso ao contar uma história ocorrida na recente visita ao papa. Achou um exagero os militares terem se apresentado nas ruas com roupas camufladas, como se esperassem confrontos. Não falou nada para o comandante da tropa, porém, porque o presidente Fernando Henrique Cardoso, chefe supremo das Forças Armadas, se encontrava no Rio. Quando teve oportunidade, apresentou a reclamação a ele e deixou que se entendesse com os subordinados.

Essa característica pode ter contribuído para a aproximação do cardeal brasileiro com o papa polonês, outro que não suportava atos de indisciplina. Ela também ajuda a explicar sua atuação contra os rebeldes da Teologia da Libertação.

Ao final da conversa, d. Eugenio apertou um botão em sua mesa, avisando à secretária, na sala ao lado, que o encontro terminara. Ela adentrou o gabinete e, enquanto eu me despedia do cardeal, abriu a gaveta à direita de sua escrivaninha e desligou um gravador. Discretamente.

Pode-se gostar ou não de d. Eugenio. Não se pode negar, porém, que foi uma das figuras que mais marcaram a história recente da Igreja no Brasil. Por caminhos diferentes, foi tão marcante quanto d. Paulo Evaristo Arns, seu contemporâneo na Arquidiocese de São Paulo.

 

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