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Direto ao assunto

O tarô de madama Dilma

Só em setembro se saberá se Dilma voltará, será esquecida ou frequentará tribunais

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Por José Neumanne
Atualização:

Pendurado no tarô Foto: Estadão

A semana passada terminou com uma notícia que, apesar de resultar de truques rasteiros, poderá representar um alívio para a Nação, desde que se confirme, em vez de consagrar as regras e protelações que têm adiado indefinidamente um de nossos flagelos atuais. Foi, enfim, marcado o julgamento final do impeachment de Dilma Rousseff no Senado para começar em 29 deste mês e terminar em 2 de setembro. Perder-se-á uma oportunidade de melhorar um pouco a reputação de mês do desgosto, uma rima que tornou maldito o agosto do massacre da noite de São Bartolomeu, em 1572, da deflagração da Primeira Guerra Mundial, em 1914, do suicídio de Vargas, em 1954, e da renúncia de Jânio, em 1961.

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A efeméride, bendito seja Nosso Senhor Jesus Cristo, foi transferida para setembro, cinco dias antes da comemoração da independência e a três semanas do início da primavera, a mais bela estação do ano. Mas será que a data não tem mesmo que ver é com a saída de Ricardo Lewandowski da presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), oito dias depois? Será? Nunca foi segredo para ninguém que nosso supremo magistrado em chefe tem o legítimo interesse de coroar sua biografia de juiz presidindo o impeachment. E alguns que têm o privilégio de conviver com ele relatam as dificuldades que sua sucessora no topo do Judiciário nacional, Cármen Lúcia, poderia ter ao empunhar, sem tanta experiência quanto ele, nem a assessoria dela tanta quanto a dele, o martelo do histórico julgamento.

O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, prestes a ser cassado, autorizou a abertura do processo de impeachment de Dilma Rousseff em 2 de dezembro de 2015. Tendo desde então transcorrido 24 anos, quase um quarto de século, desde o último julgamento do gênero, o de Fernando Collor de Mello, e sem ter o Congresso Nacional aprovado uma legislação adequada para inspirar o rito do processo, o STF impôs as próprias normas. Mas disse que todas têm como bases a Constituição de 1988, antes de 1992, e a Lei 1.079, de abril de 1950, ainda vigente. Os fatos negam o argumento. Basta lembrar que da abertura do processo contra Collor por Ibsen Pinheiro, em setembro de 1992, ao impedimento definitivo do então presidente em sessão presidida por Sydney Sanches, em dezembro do mesmo ano, transcorreram 90 dias. Mas se, para felicidade geral da Nação, a opção entre a permanência de Temer e a deposição de Dilma for de fato feita em 2 de setembro, terão passado nove meses, o período de uma gestação e três vezes o do modelo que o STF jura ter adotado.

Irremediavelmente similar mesmo ao caso de Collor, quando comparado com o atual, é o comportamento comum dos ex-desafetos que viraram cúmplices. O professor de Sociologia da USP Brasílio Sallum Jr. definiu no título de seu artigo na página de Opinião do Estadão de sábado 30 de julho tais similitudes: "Collor e Dilma - abuso de poder e voluntarismo". E concluiu, com precisão, que eleição não é tudo na democracia, a vencedora nos dois processos. Pois esta "demanda também responsabilidade no exercício do poder, tanto pelo respeito aos limites da lei como por levar em consideração os interesses legítimos dos demais atores. Infelizmente, Collor e Dilma não se mostraram capazes disso".

No mais, há muitas diferenças. O ministro Luís Roberto Barroso liderou uma dissidência vitoriosa contra o relatório do colega Edson Fachin, o STF interveio na autonomia do Legislativo e impôs o fim do voto avulso (sem aval de partido) na escolha dos membros da comissão que preparou a votação no plenário para autorizar o Senado a abrir o processo. Composta a comissão com a fórmula que a defesa da acusada preferia, ela ainda assim perdeu por 38 a 27 votos. Foi também decidido pela Corte, à revelia da opinião da Câmara, que o julgamento só seria iniciado se o Senado o aceitasse por dois terços dos votos de seus membros presentes no plenário. Resultado: 55 a favor, quatro mais que os dois terços do total de 81 e 22 contra, cinco menos do que o terço que evitaria o prosseguimento.

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Aí, Lewandowski entrou em cena. O espírito da lei entrega a direção da sessão final de julgamento ao presidente do STF para evitar que vícios jurídicos maculem o procedimento político a ser adotado pelo poder que representa a sociedade na República. O presidente do STF à época, Sydney Sanches, por exemplo, decidiu não aceitar a renúncia de Collor, manobra com a qual o deposto pretendia anular a própria inelegibilidade por mais oito anos. Por isso, este foi julgado e impedido. Após cumprir a exigência legal, elegeu-se senador por Alagoas e passou a prestar serviços inestimáveis aos principais algozes da sua deposição forçada. Em comum acordo com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o atual presidente do STF passou a atuar como uma espécie de inquisidor-geral do processo inteiro, antes sequer de o Senado autorizar por maioria simples a pronúncia da acusada, previsto para 9 de agosto.

Do alto de seu pináculo, ele aceitou, depois, os pedidos da defesa para técnicos do Senado auditarem trabalho já realizado por 50 peritos do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as principais acusações que pesam contra Dilma: "pedaladas" fiscais e contratos que descumprem a meta fiscal sem autorização prévia do Congresso. A defesa exigiu ainda a troca da equipe e esta foi feita sem que Lewandowski interferisse. Mas tudo isso levou tempo, o que também aconteceu com a autorização que ele deu para a comissão de julgamento ouvir todas as 40 testemunhas pró-Dilma.

É fato que o adiamento não tem ajudado á defesa desta. Será mais adequado chamar de perdido o tempo tido como ganho. Pois no prazo a tese esdrúxula do golpe parlamentar tornou-se bazófia e a reputação da "presidenta" está ficando bem longe de ser considerada ilibada, como ela pretende. Em meados de agosto, Dilma teve o desgosto de ser acusada pelo marqueteiro e espírito santo de orelha João Santana e pela mulher dele, Mônica Moura, de ter sido beneficiada no pleito de 2010 por dinheiro de propina da Odebrecht para garantir obras da Petrobrás. De lá pra cá não têm faltado delatores para jogar o mesmo tipo de lama na reeleição de 2014. Flávio Machado, ex-dirigente de outra empreiteira acusada de corrupção, a Andrade Gutierrez, disse, em delação premiada, que foi achacado por Ricardo Berzoini, então presidente do PT, para fazer "doações" ao partido. A acusação assemelha-se à de Ricardo Pessoa, da UTC, contra Edinho Silva, tesoureiro da candidata, que, após vencer, mimoseou os citados com o foro privilegiado de que os ministros gozam.

Com a palavra, o outro lado. Primeiramente, Dilma contou no Twitter que nunca autorizou caixa 2 (desculpa do casal Santana). Depois, disse à Rádio França Internacional que não podia ser acusada de nada, de vez que a propina só foi depositada em banco no exterior dois anos depois de encerrada a campanha. E, por fim, a outra emissora, de Uberlândia (MG), que se houve crime foi do PT. Ou seja, em seu esforço notório de fazer inimigos e perder influência, madama tem acumulado evidências de que seu impeachment são favas contadas. No entanto, seu causídico pra toda obra, José Eduardo Cardozo, já avisou que recorrerá ao Supremo. Resta questionar que falha processual pode ser arguida num julgamento que o chefão da Corte vigiou comfidelidade canina do alto do posto mais elevado do Judiciário e, também no caso, do plenário do Senado.

Mas esta questão fica para ser respondida em setembro. Então será possível saber se à mesa da cartomante será exposta prá madama Dilma a carta da Roda da Fortuna da volta ao poder ou se, deste expulsa, a da Torre, no ostracismo, ou a do Pendurado na balança da Justiça.

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Jornalista, poeta e escritor