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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Peleguismo de esquerda nunca foi boa política de classe

Para mostrar como é fácil deitar combustível na fogueira da crise política e da exasperação nacional, o presidente da CUT, Wagner Freitas, veio a público ontem (13), em Brasilia.

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Atualização:

Durante encontro de Dilma com representantes de movimentos sociais no Palácio do Planalto, o dirigente sindical se empolgou: "se tentarem tirar a presidente", será preciso aos trabalhadores "irem para a rua entrincheirados de armas na mão". Arroubos à parte, muito provavelmente deve ter tentado usar uma metáfora para se referir à necessidade de que se acirre a "luta de classes" caso Dilma renuncie ou seja afastada. Tropeçou na própria língua.

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A frase do sindicalista expressa uma visão grosseira do conflito social e da luta de classes. Aposta na polarização, seguindo sem vacilação a cartilha do PT. É uma peça da retórica que pretende disseminar a ideia de que a "burguesia" está cercando a Presidência da República para esmagar e prejudicar os trabalhadores que, diante disso, somente têm como opção defender o governo com firmeza e determinação.

O raciocínio é paradoxal, contraditório, sem pé nem cabeça. Se a CUT, que defende os trabalhadores, quiser ser destemida em sua missão, por que defender um governo cuja política econômica, cambial e tributária é precisamente a que mais prejuízos traz aos trabalhadores? Ao confundir CUT e governo como se estivessem do mesmo lado e fossem personagens irmanados em defesa dos trabalhadores, o sindicalista resvala para um curioso peleguismo de esquerda, tão ruim quanto qualquer outro peleguismo.

Deseja defender os trabalhadores e combater "a intolerância e o preconceito de classe contra nós", mas associa isso à defesa do governo, como se os trabalhadores dele necessitassem para se defender, ou seja, como se o governo pudesse agir de fato para protegê-los. Ou estivesse particularmente interessado em fazê-lo. Alguém pode perguntar: como sustentar esta visão se é este mesmo governo que patrocina um ajuste econômico que causa dezenas de milhares de desempregados a cada mês?

As declarações do dirigente da CUT são um indicador adicional da confusão que prevalece no País. Configuram um estilo que rebaixa a liderança e reflete a falta de líderes nos vários setores da sociedade: um estilo que blefa e assopra a brasa de uma fogueira que não lhe é favorável. Como se não bastasse, ao prometer "pegar em armas" (vá lá, ainda que de modo figurado) para defender o governo, dá uma contribuição estapafúrdia e inoportuna à cultura antidemocrática e antirrepublicana que cresce por aí. Não mostrou seriedade nem senso de responsabilidade.

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Seria muito mais produtivo politicamente se a defesa do governo viesse acompanhada de argumentos consistentes e de uma boa dose de crítica e autocrítica.

Servir de correia de transmissão para levar apoio a governos nunca foi boa política de classe. Cancela a autonomia que deve existir na ação organizada dos diversos interesses, no caso os dos trabalhadores. Subordina a pauta de uns à pauta dos outros. Freia a disposição de luta ao fazer com que tudo convirja para a defesa de uma instância que, ao menos no momento, pouco faz para valorizar os trabalhadores.

Resta saber se com atos e declarações com os de ontem o governo Dilma melhora sua posição relativa. Ele hoje está a privilegiar um movimento em múltiplas frentes. Quer apoio social para se contrapor à queda de popularidade e à inoperância política. Alia-se a Renan Calheiros para contrabalançar os ataques de Eduardo Cuinha, sem se dar conta de que ao pedir ajuda ao "guarda bom" para escapar do "guarda mau" termina por possibilitar que ambos os guardas se mexam para deixar o governo entre a cruz e a caldeirinha. É um governo que está nas cordas, mas que não entrega os pontos porque seus adversários não têm força ou habilidade para finalizar a luta. "Finalizar a luta", neste caso, precisa ser entendido em sentido metafórico. Não significa que as oposições não conseguem "derrubar" a presidente, mas sim que fracassam também elas e, com isso, fornecem oxigênio para o governo, que pode assim permanecer sem mudar de posição, prolongando seu sofrimento à espera de uma eventual oportunidade para retrucar.

O governo Dilma hoje se movimenta celeremente em busca de apoios, mas a cada movimento parece aprofundar sua condição de refém dos demais poderes, do mercado, dos interesses sociais e do presidencialismo de coalizão.

Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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