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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|O medo, as dificuldades e o erro de Temer

Caso venha a se confirmar a notícia de que o PRB ocupará o Ministério da Ciência e Tecnologia, com o deputado Marcos Pereira, o futuro governo Temer estará cometendo seu primeiro grande erro.

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Atualização:

Fará o que muitos -- no Congresso e nas ruas -- criticaram no governo Dilma. Diga-me com quem andas e te direi quem és. Alianças espúrias e sem qualquer caráter programático estiveram entre os fatores que levaram os governos do PT à bancarrota. Têm sido a estaca fincada no peito da democracia brasileira. Temer parece disposto a dar mais uma martelada nela.

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Não é pelo efeito prático da indicação. O sistema brasileiro de Ciência e Tecnologia não depende do ministro ou do ministério. Tem vida própria. Para ele, no limite, tanto faz quem comanda a pasta. O que importa é a política geral do governo, que não passa pelo ministro, e a parte orçamentária, que não é modelada pelo ministro. Para cientistas e tecnólogos, nada será a rigor afetado. Mas o pasmo e a insatisfação com a indicação são fortes entre eles. Afinal, trata-se também de uma batalha pela ocupação de espaços.

O erro de Temer é de natureza política e sobretudo simbólica. Sinaliza que o padrão será mais do mesmo. Com algumas inflexões preocupantes. Um evangélico fundamentalista cuidando de ciência e tecnologia é uma contradição nos termos. Nada contra o bispo licenciado, cujo pensamento na matéria pode até surpreender. O MCT continuará a ser tratado como sempre: um expediente para equilibrar forças partidárias e acomodar apoiadores.

Toda Presidência precisa de votos e apoios, sem os quais não governará, mas o momento exige algo mais. Se a ideia for dar um tranco de credibilidade e governança no país, a inovação terá de ser perseguida a todo custo. Olhar para frente, confrontar práticas e procedimentos consagrados, buscar o que diferencia em termos de qualidade e critério, não aquilo que repete o tradicional. Fazer mais, com os melhores e de forma diferente.

As notícias sugerem um panorama sem brilho. Segue o fatiamento do ministério, com distribuição de pastas pelos partidos e pouca clareza na definição do "núcleo duro" que será encarregado de dar eixo ao governo. Há muitos balões de ensaio no ar, para testar resistências e aceitações. Os articuladores tentam tourear os partidos e ganhar pontos na opinião pública. Enfrentam dificuldades em ambas as pontas. Precisam também contar com os imponderáveis da Lava-Jato, que poderão encurtar dramaticamente a trajetória de eventuais ministros ou ministeriáveis.

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Não há porque achar que  as coisas serão fáceis ou seguirão automaticamente o rumo desejado por cálculos, sonhos e expectativas. Há coisas que não poderão ser evitadas. Uma boa dose de realismo e de pragmatismo deveria ser acrescentada aos humores cívicos e aos volteios dos analistas. O país não necessita de maximalismo e pureza de princípios, mas de bom-senso. A política continuará a rolar com autonomia relativa, muitas vezes na contramão do que deseja a cidadania, os agentes econômicos e os próprios protagonistas políticos. Não entender isso é esmurrar pontas de facas.

Seja como for, se ceder à rotina para construir uma base parlamentar de apoio, Temer cederá o fundamental: mostrará pouca disposição de compor um governo não com o que está à mão, mas com os mais qualificados e com os que são mais independentes do jogo de pressões e chantagens do sistema político. Demonstrará fraqueza, não destemor. Medo, não coragem.

Não será assim que cravará seu nome na História, como diz pretender.

Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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