Há três aspectos a serem considerados no livro que Lula lançará na próxima sexta-feira, dia 16.
O mais relevante é o jornalístico. Reunir três consagrados profissionais para entrevistar um popular ex-presidente condenado por corrupção aproxima-se do que se costuma chamar de "furo de reportagem". Quem não quer ler o que tem a dizer Lula nos dias que podem ser os derradeiros antes da prisão? Nunca faltou mídia para Lula, mas não é todo dia que ele se deixa submeter a uma roda de entrevistadores. Mesmo que, no caso do livro, sejam entrevistadores amigos, simpáticos à sua causa, não há por que duvidar do cerco que devem ter tentado fazer ao ex-presidente, figura conhecida por saber dar nó em pingo d'água.
O segundo aspecto é editorial. Um personagem dramático, performático, acostumado a receber mimos e atenções, que muitos idolatram no limite da cegueira, mergulhado num quadro político tenso e confuso, é um prato cheio para as livrarias. O livro deverá vender bem e fornecer combustível para os seguidores de Lula, necessitados como nunca de recursos para continuar fazendo campanha por ele e com ele. O senso de oportunidade falou alto aqui, mesmo que se possa fazer ressalvas à apresentação do produto, no qual Lula figura como autor sem ter escrito uma linha sequer. Esse, porém, é um aspecto secundário.
Por fim, o aspecto propriamente político, o do personagem antes de tudo. Lula certamente não dirá nada de novo, até porque há anos não sai do noticiário e já disse praticamente tudo. Repetirá o mesmo discurso de sempre, acrescentando umas pitadas a mais de autocomiseração e algumas revelações de bastidores, com as quais procurará acertar algumas contas e deixar ao relento figuras que o ajudaram na trajetória. O típico modo Lula de ser e agir. Fala-se que não será propriamente gentil com Dilma, Palocci e Aloyzio Mercadante, que mal se referirá a José Dirceu, e por aí vai. Nada muito bombástico, mas revelador de um estilo de fazer política.
Os jornais exploraram a frase "estou pronto para ser preso". É uma bazófia, mas ilustra bem o que está a passar pela cabeça do ex-presidente, que parece querer ser imolado em praça pública para finalmente subir aos céus como um injustiçado. O livro servirá para Lula se defender pela enésima vez das acusações da Lava Jato e para que ele propague a sua particular "análise de conjuntura", moldada para favorecê-lo. "Traidores" e "golpistas" deverão aparecer em várias páginas, assim como alguns elogios surpreendentes, com os quais dará umas boas flechadas em pessoas que o cercam. Ao criticar Dilma, por exemplo, que em seu entender não resistiu como deveria ao "golpe", encherá a bola do "traidor" Michel Temer, que teria mostrado maior resiliência do que a companheira.
O título "A verdade vencerá" traz um subtítulo: "O povo sabe por que me condenam". É bastante apelativo, como seria de esperar, e realça o tom emotivo tão a gosto do Lula. Há uma confusão, não se sabe se intencional ou não, entre a admiração popular por Lula - que é real - e o efetivo conhecimento popular sobre as estripulias que o condenaram.
Daria até para dizer que o povo prefere não saber as razões da condenação justamente para não perder as ilusões. Mas isso ninguém tem como demonstrar, do mesmo modo que ninguém pode afirmar que o povo sabe mesmo o que está a atrapalhar os passos de seu líder. Há coisas que a gente prefere não saber e há coisas que a gente não tem como saber. Versões sob medida existem justamente para impedir que se veja a face feia da vida. Nada mais humano.
Tudo somado, o meritório furo jornalístico e editorial não terá como facilitar uma virada de página nessa celeuma que está ameaçando fazer com que a trajetória brilhante de uma liderança importante termine em cinzas, produzidas por uma interminável fogueira de vaidades.