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Professor titular de Teoria Política da Unesp, Marco Aurélio Nogueira escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|Manifestantes e partidos flertam, mas não conseguem se dar as mãos

Manifestantes que organizaram uma marcha a Brasília em defesa do impeachment de Dilma estão entrando em rota de colisão com o PSDB: acham que foram "traídos" pelos tucanos, que desistiram de pedir o afastamento da presidente.

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Atualização:

Os mais exaltados dizem que "Aécio está sendo covarde: Dilma tem mais colhões do que ele".

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O PSDB, por sua vez, oscila entre o reconhecimento de que os manifestantes são "intransigentes" e o medo de perder o apoio deles. Espelha, em sua conduta, a dificuldade de escolher entre uma proposta bombástica mas de difícil execução -- o impeachment -- e o desafio de levar o barco oposicionista em boa forma até 2018.

Idiossincrasias, grosserias e chiliques à parte, o fato sugere uma reflexão. Ajuda-nos a pensar nas características de alguns movimentos atuais de protesto e no modo de ser e funcionar dos partidos políticos. Ou seja, leva a que se reflita sobre as relações entre as ruas e a política.

As ruas brasileiras estão em movimento político desde sempre, mas passaram a falar mais alto a partir de junho de 2013, como todos sabem. Neste ano de 2015, o vozerio voltou a se fazer sentir, com as grandes manifestações contra o governo Dilma. Há muita irritação no ar, muita frustração e decepção. E pouca organização das vozes, que querem se fazer ouvir sem que os políticos delas se assenhorem. São vozes que falam contra a política, contra os partidos, contra os governos, contra os tempos mais longos da decisão política. Nisso repousa sua caraterística mais típica e também sua maior fraqueza: as vozes não se traduzem politicamente, correndo o risco de serem capturadas por alguma manobra sórdida ou de morrerem na praia. Tenderão a permanecer em estado de mobilização (pois a situação facilita isso), mas poderão não jogar peso específico na dinâmica política do País. Falta-lhes algo que as projete politicamente.

Já os partidos, que sempre têm suas agendas particulares e seus cálculos, não parecem estar em boas condições para dialogar de forma inteligente com as ruas. Não sabem como fazer isso, pois se desinteressaram da prática e não dominam a linguagem dos cidadãos atuais. Olham somente para seus interesses corporativos, as próximas eleições, o quanto podem produzir de ferimentos nos adversários. Usarão as ruas, porque é da natureza deles fazer isso. Os partidos mais sérios farão isso de forma transparente e democrática: interagindo com os manifestantes, chamando-os para a discussão política e buscando promover mediações entre as ruas e o Estado. Os menos sérios apelarão para a demagogia, buscando manipular e iludir os manifestantes ou submetê-los.

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Manifestantes como os que estão hoje nas ruas têm pouca política na cabeça. Há nisso alguma virtude, na medida em que se materializam como sujeitos de um tipo novo, com mais espontaneísmo e "pureza" de intenções. Mas há também um problema, que deriva do fato de permanecerem à margem dos circuitos onde são tomadas as decisões. Eles não querem os partidos, mas querem que eles reverberem os desejos da manifestação. Querem que os partidos se submetam a eles, ignorando que partidos são entes vivos, com interesses e objetivos próprios, especialmente quando são grandes e se põem como sujeitos de governo.

Ao reclamarem da "traição tucana", os manifestantes estão mostrando sua própria cara e, ao mesmo tempo, denunciando as dificuldades que têm os partidos, no caso o PSDB, de entrar em sintonia com as ruas e coordená-las, quem sabe dirigi-las. Tudo faz com que fique mais claro aquele que parece ser nosso maior problema: a falta de quem ocupe o centro da vida política e a direcione democraticamente.

Opinião por Marco Aurélio Nogueira

Professor titular de Teoria Política da Unesp

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