Tanto quanto greves por tempo indeterminado, as restrições orçamentárias e a decisão de cortar salários de professores e servidores que ganham acima do teto do governador têm idêntico poder corrosivo e de destruição. Fazem com que as universidades sangrem a céu aberto.
O Estadão de sábado, 22/08, publicou reportagem importante, que merece reflexão: "UNESP paga 1.148 salários acima do teto, 602 deles para professores ativos".
O texto esclarece que outros 524 salários são de professores aposentados e o restante vai para 12 servidores e 10 procuradores jurídicos. Em outubro de 2014, o STF determinou que as remunerações dos servidores públicos devem respeitar os limites legais. Em São Paulo, o máximo constitucional é a remuneração do governador Geraldo Alckmin, de R$ 21,6 mil.
Do mesmo modo que na USP e na Unicamp, os afetados são professores e servidores com mais tempo de carreira, que já acumularam quinquênios e incorporaram gratificações de representação. A relação dos salários e dos respectivos servidores será divulgada nos próximos dias, segundo informou o reitor da UNESP, Julio Cezar Durigan.
O tema é recorrente e causa estranheza e repúdio generalizado. Recentemente, foi analisado em detalhe pelos professores Alcir Pécora e Francisco Foot Hardman, da Unicamp, em artigo publicado na p. A2 do Estadão (19/08) - jornal, aliás, que tem se destacado na defesa de um tratamento não-demagógico do assunto.
O teto salarial surge sempre cercado de incompreensão e invariavelmente reflete um profundo desinteresse pelas particularidades e pelo relevante papel das universidades estaduais.
A limitação dos salários é vivida pelo governo paulista e por parte da opinião pública com dose extrema de hipocrisia e com uma coreografia barata. É como se o governo quisesse passar por guardião do franciscanismo gerencial e de uma ideia vaga de "moralidade pública", fazendo isso à custa dos outros. Em vez de adotar postura ousada e criativa para melhorar a performance fiscal-financeira do estado, insiste em forçar em cortar salários, como se isso tivesse algum impacto efetivo sobre as contas públicas. Joga para a plateia. De tabela, fomenta a confusão no interior dos campi universitários, antes de tudo por embaralhar as carreiras e desanimar alguns segmentos altamente produtivos e representativos do que fazem as universidades.
Surpreendentemente, é respaldado nessa operação pelo Ministério Público de Contas de São Paulo, que o incentiva a forçar as universidades a respeitar o teto.
A postura é hipócrita porque usa como parâmetro o salário do governador (R$ 21,6 mil) mas não leva em consideração que este valor não corresponde ao que ganha de fato o governador, que tem casa, comida e gastos inteiramente cobertos pelo erário estadual: verbas de representação e subsídios para exercer a função. Usa a despensa e mora no Palácio (dos Bandeirantes) em que trabalha. Seu salário, portanto, não é usado para custear aquilo que mais pesa em um orçamento doméstico da vida real.
Além disso, o cargo de governador não faz parte de nenhuma carreira no serviço público e sua remuneração não segue qualquer parâmetro, podendo ser definida livremente pelas Assembleias Legislativas de cada estado. Trata-se, pois, de um valor arbitrário. Tanto que, no conjunto do País, os salários mensais dos governadores variam muito, podendo ir de cerca de R$ 12 mil a quase R$ 40 mil.
A hipocrisia é completada por uma grave cegueira gerencial: ao passo que professores e servidores das universidades estaduais paulistas devem seguir o teto do governador, seus colegas das universidades federais seguem o salário de um ministro do STF (cerca de R$ 34 mil). Ou seja, no estado mais caro do País e no qual está o grosso da produção científica nacional, adota-se um critério de remuneração mais baixo do que aquele que prevalece nas outras unidades da federação.
É algo que parece destinado intencionalmente a rebaixar os pesquisadores estaduais. Como escreveram Pécora e Foot Hardman, "querem impor aos professores universitários paulistas uma punição perversa, que desmantela uma carreira com serviços de primeira grandeza. Se isso ocorrer, nem sequer será inédito: no Brasil já se fez o mesmo com o ensino público fundamental e médio. Nesse caso se completará, nestes tempos sombrios, mais um capítulo de retrocesso, autofagia e desmemória da Nação. Voltamos ao velho disco arranhado da Pátria Enganadora. E São Paulo, nessa triste cena, terá tido o papel de Locomotiva do Atraso".
É motivo de aplauso e de esperança que o Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas, o CRUESP, esteja empenhado em conseguir a revisão da medida. Desde 2014, vem solicitando ao governo e aos deputados para que igualem o teto do ensino superior público paulista ao das universidades federais: 90,25% do salário dos ministros do STF, o que corresponde hoje a R$ 30,4 mil. Até agora, não tiveram sucesso. Mas o Conselho promete manter o empenho.
Para o reitor da Unesp, Julio Cezar Durigan, a redução do teto vai desestimular talentos da universidade. "O docente que está no auge da profissão, orientando doutores e fazendo pesquisas de ponta, receberá a notícia de que o salário será cortado". É um reconhecimento negativo, um castigo em vez de um prêmio.
Além do mais, os valores acima do teto representam 1% do gasto mensal com salários, hoje em R$ 180 milhões. "É a economia no lugar errado", diz. Tem toda razão.
São decisões esquisitas, que vigoram sem justificativa, prejudicam seletivamente e quebram o que vem sendo duramente construído.