É evidente que o PT não morreu. Sob certos aspectos, está mais vivo do que nunca: ocupa há 12 anos o governo federal, tem milhões de aderentes, é uma força política que mostra capacidade de permanência e de resistência a problemas e adversidades. Mas está precisamente aí, neste prolongamento da vida do partido, a raiz de seus problemas atuais. Se morto estivesse, o PT conheceria a paz dos cemitérios e dormiria o sono dos justos. Não precisaria lamber em público suas feridas, nem se contorcer para encontrar o oxigênio que lhe é indispensável.
Com a verve, a contundência e a elegância costumeiras, o cientista político Carlos Melo foi direto ao ponto no Estadão de hoje: o PT continua vivo, mas o enfraquecimento é real e a legenda está "sem discurso, argumentos e perspectiva política". Sobram-lhe o exibicionismo retórico, o empenho para manter viva uma imagem de inimigo e um "otimismo prêt-à-porter" que, "entre bikes e anúncios de concessões, o marketing oficial tenta esboçar".
A crônica do 5º Congresso -- que, segundo línguas informais, foi definido pelo ex-ministro José Dirceu como um "convescote" -- dá conta de que os delegados aprovam resoluções que atenuam a crítica à política econômica e defendem uma nova política de alianças, a ser sustentada por uma frente de partidos de esquerda e movimentos sociais. Ou seja, uma volta às origens. Depois de ter, a duras penas, aderido à ideia de que governos democráticos devem dialogar e atuar em uma frente de partidos democráticos, o PT conclui que é preciso estreitar o leque e escolher melhor os parceiros, deixando de fora os que não são de esquerda. Não esclarece, porém, qual será o critério para estabelecer quem é ou não é de esquerda.
O Congresso vocaliza uma preocupação sincera e generalizada de sair do enrosco em que se encontra, afetado por denúncias de corrupção e responsabilizado pelos desacertos governamentais. Busca-se compreender o que levou ao desabamento geral dos índices de aprovação do PT e do governo Dilma, fato que sugere que a vida do partido não será fácil nos próximos meses ou anos. O fantasma de uma derrota contundente nas eleições municipais de 2016 incomoda, pois anteciparia o julgamento popular do desempenho do partido, a ser feito em 2018. As correntes partidárias, porém, batem cabeça, não conseguem encontrar um ponto de equilíbrio que forneça uma perspectiva e unifique o partido.
Situações de crise aguda são complicadas para todos. Tendem a ser mais dilemáticas quanto maior é o organismo de que se trata. O gigantismo adquirido gradualmente pelo PT ao longo de sua trajetória é ao mesmo tempo sua maior força e seu principal problema. O partido inchou ao se tornar organismo de massa, incorporou legiões de pessoas atraídas pelo carisma da legenda, pelas promessas feitas em suas campanhas e pelas expectativas de ascensão profissional por meio da ocupação de cargos públicos. Inevitável que tenha sido assim. Mas as direções partidárias não cuidaram como deveriam nem de seus assuntos político-organizacionais internos -- a queda nas malhas dos mecanismos de corrupção de que está impregnado o sistema político brasileiro é somente um indicador disso --, nem muito menos da educação política de sua militância. O petista típico é um simplório político: maniqueísta, sempre necessitado de um inimigo exclusivo e sempre propenso a responsabilizar os outros por suas falhas e limitações, dogmático em excesso, muito autocentrado, desatento às mudanças estruturais em curso e às novas formas do capitalismo, sem ideias claras a respeito das possibilidades efetivas de um reformismo socialista.
A conduta do partido, seus discursos oficiais, a fala de suas principais lideranças, reforçam essa mentalidade. Em parte porque a cultura partidária não se renovou: o mundo mudou muito, mas o petismo se enrijeceu, burocratizou-se na abordagem crítica dos processos sociais e de si próprio. E em parte porque o partido se aproximou sem cautela da prática cotidiana de governo, cuja positividade dá pouca margem a esforços críticos e autocríticos. O PT se entregou compulsivamente ao pragmatismo e à luta pela sobrevivência como força governamental, perdendo vínculos sociais, vivacidade interna e identidade. Ainda hoje há dirigentes do partido que pensam que entre o governo e o PT não podem nem devem existir diferenças: seriam carne da mesma carne, corpos que caminham abraçados, misturando-se entre si.
O fraseado de Lula de que "temos de estar sempre vigilantes, corrigindo nossos erros, mudando o que for preciso e conversando sempre com o povo mais humilde, com o povo trabalhador que tanto necessita do nosso partido", ressoou no Congresso, mas não parece colado à realidade dos últimos anos. Não serve para impulsionar uma perspectiva.
A crise não prejudica somente o PT. Ela alimenta a perda de credibilidade da política e dos políticos. Na esteira estendida pelas dificuldades petistas pegam carona tanto a crise da representação, quanto a desilusão com a esquerda e a problematização da democracia política. A ideia mesma de partido político vai a reboque. Perdem muitos, não somente o PT. Precisamente por isso devemos todos acompanhar com atenção e interesse as resoluções que sairão de seu Congresso.