A primeira delas, maior que qualquer outra, é que a política brasileira ainda concede espaços de sobra para figuras comprometidas com o ilícito, com o desrespeito ao mandato popular, com a desfaçatez, a pressão e a chantagem como armas de combate político. Eduardo Cunha, com o tempo, conseguiu acumular importantíssimos recursos de apoio na Câmara de Deputados, que o levaram à presidência da Casa e ao controle de muitas de suas rotinas, tornando-se o principal cardeal do "baixo clero" parlamentar. Nesta condição, manobrou para usar a seu favor o processo de impeachment, de modo a respirar num ambiente que aos poucos foi se tornando hostil a ele, sensibilizado pela impressionante rejeição ao deputado pela opinião pública.
Outra conclusão é que o sistema, do jeito que está e funciona, deixa a desejar e não consegue operar como usina de debate democrático, nem como ator de uma saudável pedagogia política e cívica. As brechas que nele existem tornam lento e pesado seu funcionamento, expõem o Congresso Nacional a uma verdadeira invasão de pessoas pouco qualificadas, que exibem diariamente seu despreparo técnico, político, ético e intelectual, fazem com que ele se distancie da sociedade e não ajude a compor governos que governem. Cunha é um exemplo perfeito disso, mas não é o único. Distinguiu-se entre seus aliados e apoiadores por possuir dotes inquestionáveis de operador político, o que fez sua fama e o auxiliou a ser temido.
Há, ainda, a fragilidade dos agentes principais do sistema, os partidos políticos, que pouca força e energia transferem ao conjunto. Não selecionam bem os quadros que os representam, não conseguem coordená-los de forma regular, dia após dia, quando muito fazendo isso com algum sucesso em alguns momentos mais "dramáticos" ou quando se trata de alcançar a defesa de certos interesses corporativos. Fossem melhores nossos partidos e nossos representantes, e Cunha não teria conseguido fazer gato e sapato deles ao longo de anos.
Ainda será preciso muita reflexão e muita discussão para que se desvende por inteiro o enigma Eduardo Cunha. Sua sobrevida ultrapassou tudo o que poderia existir de razoável na política. Morto politicamente há meses, manteve-se ativo no Planalto, dando as cartas no jogo medíocre da pequena política, dos bastidores, onde cozinhou artefatos para ferir seus adversários e seduzir seus apoiadores. Foi usado pela direita quando se tratava de fazer passar propostas regressistas no campo dos direitos humanos, pela esquerda quando se tratava de evitar a abertura do impedimento presidencial e pelo centro para acelerar esta mesma abertura. Sempre que a Câmara foi chamada examinar pauta importante, a sombra de Cunha se ergueu, ameaçadora, para turvar o processamento regular das deliberações. Seu plano de voo se limitava a uma única carta de navegação: sobreviver.
Agora, com o Conselho de Ética aprovando e encaminhando ao plenário da Câmara o relatório do deputado Marcos Rogério pedindo a cassação de seu mandato parlamentar, Eduardo Cunha parece ter chegado ao fim de sua trajetória, que poucas honras prestou ao parlamento brasileiro. Perderá o foro privilegiado que ajudava a blindá-lo e estará inteiramente à disposição das Cortes que avaliam seu caso e o julgarão.
No mesmo dia em que o Conselho de Ética concluía seus trabalhos, outras notícias infernizaram a vida do deputado, agravando sua situação. De um lado, o Banco Central encaminhou à Procuradoria-Geral da República (PGR) e ao Conselho de Ética um relatório conclusivo atestando que Cunha e sua mulher, Claudia Cruz, mantinham contas não declaradas no exterior entre 2007 e 2014, cobrando do casal multa no valor de R$ 1,1 milhão. De outro lado, o juiz Augusto Cesar Pansini Gonçalves, da 6ª Vara Cível da Justiça Federal do Paraná, aceitou pedido de liminar do Ministério Público Federal (MPF), em ação de improbidade administrativa, e decretou a indisponibilidade dos bens e recursos financeiros e bens do deputado, bem como a quebra de seu sigilo fiscal desde 2007.
É um final compatível com o caminho que Cunha escolheu para trilhar.