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A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

Quem a Câmara representa?

Conta rápida com números arredondados: 142 milhões de brasileiros estavam aptos a votar nas eleições de 2014. Desses, 115 milhões foram às urnas no primeiro turno, ou seja, comparecimento dentro do esperado, na casa de 81%. Para o cargo de deputado federal, tivemos 97,3 milhões de votos válidos, isto é, em candidatos ou em legendas. Quem vota na legenda está, a despeito das coligações estabelecidas, confiando no partido e na ordem que os outros eleitores estabeleceram para a representação nominal efetiva. Aqui o primeiro problema: em relação a 2010, o eleitorado de 2014 era 5% maior, o comparecimento foi 4,5% maior, mas o total de votos válidos para deputado federal foi 1,5% menor. Cresceu assombrosamente o total de votos brancos e nulos, e por mais que se trate de um direito, esse eleitor mais afastado, ou que parece protestar, está sendo conduzido pelas decisões da Câmara dos Deputados eleitas por quem se posicionou.

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Por Humberto Dantas
Atualização:

Com base nos votos válidos para a Câmara Federal, e excluídos oito milhões de votos de legenda, nominalmente temos 89 milhões de votos. Considerados exclusivamente os 513 eleitos e ignorando o fato de que suplentes obviamente menos votados ocupam o posto de políticos que se aventuram em outros ambientes, sobretudo no Poder Executivo, teremos 58 milhões de votos nominais ocupando assentos na Câmara - 72% do total que nominalmente se posicionou, o que demonstra uma concentração interessante nos eleitos.

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Isso representa dizer que os deputados federais, nominalmente, representam aproximadamente 40% do eleitorado brasileiro. Existe problema nisso? Não. São as regras. E não adianta sonhar com reformas políticas, pois todos os sistemas do mundo excluem nominalmente parte dos desejos dos eleitores. A menor distorção, nesse caso, seria oferecida pela lista fechada e sua tentativa de despersonificar o voto na raiz - há quem diga que essa seria a distorção maior, pois impediria por completo qualquer tipo de voto nominal. Se qualquer um desses dois olhares for verdadeiro, onde caímos com isso? Na valorização dos partidos políticos. E quem, no povo, está disposto a fortalecer a organização que conta com os piores índices de confiança aos olhos dos cidadãos? Poucos, ou quase ninguém. Assim, mais do que o sistema, o problema é a forma como vemos culturalmente a política.

Primeiro porque o senso comum compreende que as pessoas votam em pessoas e, se isso de fato é verdade, poucos entenderão o complexo e coletivo sistema proporcional, tendo dificuldades extremas para cobrar partidos e candidatos que não podem "chamar de seus". De acordo com essa lógica, raros são os deputados que carregariam (e carregam) sozinhos os desejos singulares de seus eleitores em tê-los na Câmara ou nas organizações compostas por esse modelo eleitoral - pouco menos de 40 dos 513 parlamentares federais da Câmara ultrapassaram sozinhos o quociente eleitoral em seus estados. O jogo, assim, é coletivo, é plural. Mas até mesmo a justiça eleitoral e suas interpretações sobre fidelidade partidária e o casuísmo de janelas de mudanças aprovadas no parlamento nacional empurram o sujeito comum pra longe dessa compreensão. Numa sociedade como esta, anda difícil sonhar com um sistema equilibrado, e muito disso não está nas linhas das leis que delineiam as regras, mas principalmente no que fazemos dessas linhas em nossas ações cotidianas guiadas por valores políticos e eleitores tão questionáveis.

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