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A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

O Teorema da Impossibilidade e partidos políticos: uma solução possível

Este texto foi escrito por Joyce Luz*

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Por Patrick Silva
Atualização:

No último dia 21 de fevereiro, a academia mundial se despediu de um dos maiores intelectuais da década de 1970, Kenneth Joseph Arrow. Economista, professor em Stanford, Arrow ficou conhecido entre os estudiosos pela formulação do Teorema da Impossibilidade, carinhosamente apelidado de Teorema de Arrow. De acordo com esse teorema, indivíduos, quando presentes em um grupo, ou enquanto integrantes de um corpo coletivo, não conseguem tomar decisões. Como cada indivíduo possui uma vontade específica, não é possível afirmar que a decisão coletiva a ser tomada será, simplesmente, a soma de todas as ações individuais. Daí decorre a impossibilidade de se tomar decisões coletivas dessa forma.

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Mas o que o Teorema de Arrow tem a ver com a política em si? Pensemos no Congresso Nacional brasileiro e nos deputados e senadores que lá ocupam seus cargos. É bem verdade que cada parlamentar possui preferências distintas, vontades próprias. Contudo isso não anula o fato de que, como representantes de uma nação, eles devem, em muitos casos, deixar suas preferências individuais de lado para tomarem decisões coletivas. Mas como elas podem ser tomadas, se, como o próprio Arrow, afirmou decisões coletivas não são a soma de preferências individuais? Como decidir, por exemplo, qual projeto de lei será votado sabendo que cada parlamentar tem um projeto de interesse a ser votado?

Deixe-me dar um exemplo. Suponha que um grupo formado por três parlamentares, A B e C, tenha de decidir a pauta de votações do dia. O parlamentar A gostaria de votar a PEC da Previdência, o parlamentar B gostaria de votar a Reforma Eleitoral e o Parlamentar C gostaria de votar questões ligadas à liberação do Aborto. Como decidir o que será votado, dado que cada um desses parlamentares claramente prefere um projeto diferente? Como chegar a uma decisão coletiva nesse caso e, assim, evitar o impasse e a paralisia decisória? Ainda que elenquemos as preferências entre A, B e C, e que eles decidam se unir para votar juntos, o resultado final continua a ser a indecisão. O quadro abaixo mostra isso:

Não é à toa que o Congresso Brasileiro funciona em termos partidários. Não é à toa que, ao contrário do que brasilianistas argumentaram, ainda no início do retorno ao regime democrático na década de 1990, o presidente não sofre de paralisia decisória. Nosso Legislativo é inteiramente organizado em termos partidários. É de responsabilidade dos líderes partidários, por exemplo, selecionar quais membros do seu partido irão compor as comissões responsáveis por analisar os projetos de lei. É de responsabilidade do líder partidário indicar como sua bancada irá, ou deverá, votar nas votações. É de responsabilidade do líder partidário solicitar a famosa urgência na tramitação dos projetos. Todas essas responsabilidades não são tomadas individualmente pela figura do líder partidário. Ele apenas representa as decisões que foram tomadas coletivamente no interior do seu partido.

São os partidos políticos, representados por presidentes da Mesa Diretora, também os responsáveis por decidir o que será votado e em que ordem. Se no exemplo os parlamentares A, B e C não conseguem decidir o que irão votar (Reforma da Previdência, Reforma Eleitoral ou questões relacionadas a liberação do Aborto), o partido aparece, mais uma vez, como a solução para essa impossibilidade. Ao decidir o que será votado e em que ordem, os presidentes da mesa conseguem agir estrategicamente e colocar para ser votado a opção que tem mais chances de ser a vencedora, de acordo com a preferência dos demais atores. Isso é um dos elementos que permite que decisões coletivas sejam tomadas.

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Enfim, cabe aos partidos políticos, representados sobretudo pela figura dos seus líderes partidários, a tarefa de conformar as diferentes preferências individuais em uma única decisão coletiva que seja capaz de agradar a todos os seus membros. Cabe a eles a árdua tarefa de negociar, anteriormente, e chegar a um acordo coletivo que, mais do que agradar aos parlamentares, também seja capaz de atender minimamente as suas preferências. Parlamentares tomados individualmente pertencem a partidos políticos, porque reconhecem que no interior deles é que conseguem maximizar suas preferências. Preferências essas que só podem ser atendidas mediante a solução da impossibilidade, mediante a tomada de decisões coletivas.

*Joyce Luz é mestranda em Ciência Política pela USP, pesquisadora do Núcleo de Instituições Políticas e Eleições (NIPE- Cebrap) e pesquisadora do Núcleo de Estudos Comparados e Internacionais (NECI-USP).

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