(Tiririca, Campanha Eleitoral, 2010)
Como o Tiririca ainda não explicou o que fazem os deputados, recentemente afirmou apenas que trabalham muito mas produzem pouco, nós resolvemos colaborar, apresentando aqui as leis e os resultados que os deputados estaduais vêm produzindo.
A Constituição Federal estabelece aos Estados a chamada "competência residual", ou seja, tudo o que não é da competência da União nem dos Municípios, salvo expressa proibição, pode ser normatizado pelos Estados.
Na prática, o Leo Sales* verificou os temas das 4.664 leis estaduais aprovadas em 2016, por 25 das 27 Assembleias Legislativas brasileiras, classificando-as no gráfico a seguir:
Fonte: Leo Sales, 2017 - As 4.664 leis estaduais foram analisadas inicialmente por Modelagem de Tópicos. Em seguida, foi selecionada para classificação uma amostragem aleatória de 583 leis, cujo tamanho foi calculado de maneira a garantir 99% de confiança e erro de 5%. Consulte análise na íntegra aqui.
Do total de leis aprovadas em 2016, quase 2/3 (exatos 62,9% das leis) poderiam ser criadas por ato ou procedimento administrativo, a partir de critérios objetivos, sem a necessidade do apadrinhamento por um deputado.
Nestas condições, destacam-se, em amarelo, 18,4% de leis relativas à gestão burocrática estatal, à regulação de atividade comercial ou à autorização para compra e alienação de bens públicos. Somadas a (em vermelho):
- 26,8% das leis declarando entidades como de utilidade pública. Até meados de 2014, esta declaração possibilitava às ONGs receber verbas públicas. Mas tornaram-se desnecessárias com a aprovação do Marco Regulatório do Terceiro Setor em 2015. Ainda assim, os deputados continuam dedicando 30% do seu trabalho para a supérflua declaração de utilidade, via de regra, para as entidades de seus redutos eleitorais.
- 12,7% das leis de criação de datas comemorativas. Como viveríamos sem o Dia dos Quadrinhos, o Dia dos Pais no ES e o Dia do Pesquisador?
- 5% para atribuição de nomes a ruas e viadutos + 2,6% das leis para concessão de títulos a cidadãos. Estas leis costumam homenagear pessoas que prestaram algum serviço relevante à sociedade, marcando, na maioria das vezes, a distinção de classes em cada município ou servindo como pretexto para campanhas eleitorais antecipadas.
Além das leis dispensáveis, a eficiência dos deputados pode ser questionada em outro grupo de aproximadamente 20% de leis (em laranja) nas quais a atuação parlamentar seria fundamental, se:
- nos 12,2% da legislação tributária e alterações orçamentárias aprovadas nos Estados, os deputados direcionassem adequadamente os recursos públicos para as demandas da sociedade. Mas, comumente, eles limitam-se a destinar emendas parlamentares, deixando de pautar recursos orçamentários para políticas públicas estruturantes;
- em 7,4% das leis destinadas à reestruturação de carreira de servidores, eles evitassem privilégios (Judiciário, por exemplo) e destinassem benefícios alinhados aos interesses da sociedade. Porém, não raramente, os interesses corporativistas prevalecem.
Apenas 15% de leis aprovadas referem-se à regulação de programas ou serviços públicos nas áreas de Educação, Meio Ambiente, Saúde, Assistência Social, com potencial de melhorar, de forma direta, a qualidade de vida dos cidadãos.
É necessária cautela ao se avaliar a relevância do legislativo apenas pelas leis aprovadas. Ainda assim, o cenário é preocupante, já que as Assembleias Legislativas dos Estados custam mais de 10 bilhões por ano, quando 63% das suas leis poderiam ser produzidas por processos administrativos simplificados. Enquanto isso, a proposta de reforma da Previdência tentava economizar R$ 5 bilhões em 2018.
Além disso, quase a totalidade das leis é aprovada pelos Colégios de Líderes partidários, em votações simbólicas, num processo decisório centralizado que exclui do debate a sociedade e a grande maioria dos deputados estaduais, nos levando a questionar, inclusive, se o número de deputados e a estrutura de recursos e assessores colocados à disposição de cada deputado estadual são coerentes.
Para agravar, a outra atribuição de extrema relevância dos deputados estaduais, a fiscalização sobre os Governos Estaduais, também não é cumprida a contento. Nenhum governador teve as contas rejeitadas pelas assembleias legislativas nos últimos anos, não obstante as denúncias de irregularidades em contratos, como em SP, em MG e no RJ.
Ninguém ousaria questionar a importância para a democracia da separação dos poderes, dos checks and balances e do papel do legislativo como arena de representação das demandas dos cidadãos. Porém, também é evidente que as Assembleias Legislativas e os mandatos parlamentares, da forma como estão constituídos e operando, estão deixando a desejar.
Se a produção legislativa já não é a principal atribuição das Assembleias Legislativas, muito em função das restritas competências que possuem os Estados, e a fiscalização do Executivo é precária, os Deputados Estaduais precisam ser capazes de explicar o que fazem, para que servem e por que custam tão caro à sociedade.
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*Escrito em parceria com Leonardo Sales, mestre em Economia do Setor Público pela Universidade de Brasília, com especialização em Machine Learning. Autor do blog Um Novato em Ciência de Dados.