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A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

E, por maioria, a Corte decidiu não decidir: regras de votação legislativa é assunto do Legislativo!

O artigo de hoje foi escrito por José Mário Wanderley Gomes Neto, mestre em Direito, doutor em Ciência Política pela UFPE e professor na UNICAP e por Luis Felipe Andrade Barbosa, advogado, mestre e doutorando em Ciência Política pela UFPE e professor na Faculdade ASCES.

Por Humberto Dantas
Atualização:

Na noite desta quinta-feira (14), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, por maioria de votos, negar o pedido de liminar requerido pelo Partido Comunista do Brasil (PC do B), em ação direta de inconstitucionalidade (ADI 5498). Esta ação direta foi proposta contra a interpretação dos artigos 187, §4°, e 218, §8° do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, adotada pelo Presidente daquela casa (deputado Eduardo Cunha - PMDB/RJ). Conforme leitura realizada pelo Presidente da Câmara sobre a norma regimental, a ordem de votação plenária do parecer pela abertura de processo de impedimento da Presidente da República deveria ocorrer a partir da alternância das bancadas estaduais, iniciando-se a partir dos deputados representantes dos Estados do Norte e do Sul do país, e seguir em "direção ao Equador", até se encerrar com os deputados representantes dos Estados da região Nordeste.

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Segundo o PC do B, a prevalecer tal entendimento, estariam presentes condições que levariam a um "efeito cascata", um suposto viés de resultado na decisão colegiada, em que variações regionais de preferências poderiam influenciar no resultado final da votação: uma longa sequência de votos favoráveis ao impedimento vinda dos deputados sulistas poderia constranger os deputados do Norte e Nordeste - regiões onde, a princípio, encontra-se a maioria dos parlamentares favoráveis à continuidade da Presidente da República - a votar favoravelmente à abertura do processo de impeachment. Este entendimento seria, conforme os fundamentos daquela ação, contrário aos artigos 1º; 5º, LVI; 37; e 60, §4º, I, da Constituição Federal e, desse modo, o que, em tese, permitiria o controle pela Corte Suprema de nosso país.

O referido partido político, integrante da base aliada do governo federal, solicitou ao STF liminar para que a ordem de chamada da votação do pedido de impeachment contra a Presidente na Câmara, ocorresse alternadamente entre deputados de Estados do Norte e do Sul, sob o fundamento de que isto evitaria distorções no resultado final da decisão colegiada ("efeito cascata"), bem como as inconstitucionalidades alegadas.

Entretanto, o resultado alcançado não foi aquele pretendido: a Corte, por apertada maioria - 6 Ministros contrários ao pedido de liminar, 4 Ministros favoráveis ao pedido e ausente o Ministro Dias Toffoli, participando, na qualidade de Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, da Missão de Observação Eleitoral da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), relativamente às Eleições Gerais do Peru - decidiu que o assunto que lhe foi apresentado - a definição dos critérios a ser adotados na votação do parecer pela abertura do processo de impeachment pelo Plenário da Câmara - seria atribuição exclusiva daquele órgão legislativo; ou seja, o STF decidiu não decidir.

A posição majoritária da Corte seguiu consolidado entendimento adotado em vários precedentes, segundo o qual questo?es atinentes exclusivamente a? interpretac?a?o e a? aplicação dos regimentos internos das casas legislativas constituem mate?ria 'interna corporis', da alçada exclusiva da respectiva Casa e insuscetível de revisão judicial (v.g., MS 23.388; MS 24.356; MS 22.494; MS 26.074). Trata-se de uma delimitação temática, portanto, que inibe a possibilidade de intervenção do Tribunal nas deliberações tomadas pelos órgãos diretivos das Casas do Congresso Nacional.

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De um lado, encontramos no STF vários pontos de ativismo judicial das mais variadas intensidades, indicando um comportamento dos Ministros que, baseado ou não em preferências ideológicas do juiz, vai além dos limites das suas atribuições originalmente previstas na Constituição.

Noutro lado, vê-se também pontos de autorestrição judicial (também chamada autocontenção), em que os órgãos judiciais apresentam os mais diversos argumentos para não invalidar os atos a eles submetidos via judicialização, recusando-se, expressa ou tacitamente e, em diversos níveis, ao exercício do poder que lhe foi institucionalmente atribuído, de forma a inviabilizar possíveis interferências diretas deste poder em relação ao Executivo e ao Legislativo.

Nas palavras do ministro Luís Roberto Barroso (2008), em artigo publicado na época enquanto professor titular de Direito Constitucional da UERJ, há uma diferença metodológica cabal entre as duas posições: enquanto o ativismo judicial "procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, sem contudo invadir o campo da atuação livre do Direito", a autorestrição "restringe o espaço de incidência da Constituição em instâncias tipicamente políticas".

O recente julgamento, por suas características, enquadra-se nesta segunda situação: em casos envolvendo a interpretação de normas regimentais por uma Casa Legislativa, isto é, matéria "interna corporis", a Corte, de modo geral, tem "[...] em perspectiva a regra de autocontenção que lhe impede de invadir a esfera reservada à decisão política dos dois outros Poderes, [...]"(STF, MS 25579, Rel. Min. Sepúlvida Pertence, DJe de 23/08/2007).

A decisão colegiada, neste caso, mesmo tendo sido por maioria, prestigiou o Poder Legislativo como instituição e sinalizou no sentido de resgatar a legitimidade de suas deliberações, numa nova equalização da distribuição de poderes institucionais a afetar a dinâmica interativa entre os órgãos da União, que caracteriza o sistema de freios e contrapesos presente no desenho constitucional brasileiro.

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Em um cenário em que o Judiciário brasileiro assumiu um papel de protagonista na arena política, seja em virtude de seu empoderamento institucional, seja pelo enfraquecimento de outras instituições, ou seja, em virtude do seu natural papel de árbitro nos conflitos de natureza pública, trata-se de uma mudança de trajetória relevante, que demanda análises institucionais aprofundadas dos fatores que influenciam a Corte, num dado momento histórico, a não decidir.

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