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A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

Apoio legislativo importa

*Em parceria com Delmar Fonseca, mestrando em Ciência Política pela UFPI.

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Por Vítor Sandes
Atualização:

Historicamente, o presidencialismo de coalizão tem ditado as regras do jogo institucional na relação Executivo-Legislativo no Brasil. Para governar, o presidente precisa obter o apoio da maioria no Congresso como forma de aprovar sua agenda. E esse processo de negociação do apoio legislativo acontece durante a formação dos governos. Na conjuntura política de 2015 até a abertura do processo impeachment, a presidente Dilma Rousseff foi paulatinamente perdendo o apoio dos partidos, ruindo as bases da governabilidade, ou seja, a possibilidade de se aprovar sua agenda de governo. A presidente, sem o apoio da maioria, simplesmente não governava mais, enquanto a oposição se fortaleceu, dando suporte para e sustentando o processo que levou Michel Temer (PMDB) à Presidência da República.

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A construção da base de apoio ao Governo Temer se deu na própria dinâmica do processo de impeachment, que congregou uma base majoritária dos parlamentares da Câmara dos Deputados e que tem garantido, até o momento, um sólido apoio à agenda do seu governo. Uma forma de se verificar como o apoio dos partidos e dos parlamentares da Câmara dos Deputados ao processo de impeachment criou esta base é observar o perfil dos deputados que participaram da aprovação da PEC nº 241/2016 que institui o novo regime fiscal, congelando os gastos públicos por 20 anos.

445 deputados federais participaram da votação do impeachment e da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 241/2016, ou seja, 86,7% do total de parlamentares da Câmara dos Deputados. Apenas 21 deputados votaram a favor da abertura do processo de impeachment e contra a PEC que estabelece o teto dos gastos públicos (4,7% do total), e 39 parlamentares que votaram contra o impeachment da presidente Dilma Rousseff foram favoráveis à PEC (8,8% do total). Do total, 296 deputados foram favoráveis ao impeachment e à PEC (66,5%), enquanto 83 foram contrários nas duas votações (18,7%). A correlação entre as duas votações é extremamente alta*, indicando que existe um elemento que as conecta, ou seja, algo que conduziu a maior parte dos parlamentares a seguirem uma orientação que já foi dada na votação do impeachment na Câmara.

 Foto: Estadão

Quando separamos a análise por partidos, verifica-se que PRB, PSC, PSDB, PSL e PV votaram, de forma unânime, tanto pelo impeachment quanto pela aprovação da PEC nº 241/2016, e que apenas PC do B e PSOL se mantiveram contrários em sua totalidade nas duas votações. Na votação da PEC, o PT contou com uma abstenção, o DEM com um voto contrário e o PMDB, apesar de ter seis deputados que votaram contra o impeachment, manteve-se fiel à proposta do teto dos gastos públicos, votando unanimemente pela sua aprovação.

No segundo turno da votação da PEC, o número de parlamentares que participou da votação e do impeachment subiu de 445 para 446. Desse total, 24 deputados foram favoráveis à abertura do processo de impeachment e se posicionaram contra a PEC, enquanto 37 contrários ao impeachment foram favoráveis à Proposta de Emenda à Constituição. Assim como no primeiro turno, 296 deputados foram favoráveis ao impeachment e à PEC (66,4%), enquanto 83 foram contrários nas duas votações (18,6%). Os números, portanto, foram idênticos aos da votação no primeiro turno. A correlação entre a votação para a abertura do processo de impeachment e da PEC foi igualmente muito forte*. Novamente, há fortes evidências de que os parlamentares, ao se decidirem pela PEC, orientaram-se a partir da mesma lógica estabelecida na votação do processo de abertura do impeachment.

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 Foto: Estadão

Sobre a votação dos partidos, no segundo turno, PSDB, PSL e PV se mantiveram unânimes em suas votações a favor da PEC. PC do B e PSOL também mantiveram suas votações contrárias à limitação dos gastos públicos. O PT votou majoritariamente contra à Proposta, contando com apenas uma abstenção. E o PMDB, mais uma vez, foi unânime ao se posicionar a favor da PEC.

É perceptível uma clara divisão entre governistas e oposicionistas. O primeiro grupo apoiou o impeachment e integra hoje a base de apoio ao Governo Temer, que é constituída pela ampla maioria da Câmara dos Deputados e tem participação do PMDB, PSDB, PP, DEM, dentre outros. O segundo é constituído por parte da base de apoio ao Governo Dilma, que se posicionou de forma contrária ao afastamento da presidente, formado por partidos mais à esquerda como o PT, o PC do B e o PSOL. O fato novo entre as duas votações é que a bancada do PMDB, que não se apresentou completamente coesa na votação do impeachment, votou em bloco a favor da proposta do governo que estabelece o teto dos gastos públicos. O governo Temer foi capaz de agregar a rachada bancada peemedebista numa questão que é central dentro da agenda governista.

Assim, o momento que fundou as bases da governabilidade do Governo Temer foi a própria dinâmica em torno do processo de impeachment na Câmara dos Deputados. Além dos históricos partidos oposicionistas, PSDB e DEM, o presidente Michel Temer passou a contar com o apoio de partidos que antes apoiavam o governo de Dilma Rousseff, como o PP, que, às vésperas da votação do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, abandonou a coalizão governista, alinhando-se à oposição. O apoio legislativo importa, principalmente quando este é majoritário, sólido e duradouro, garantindo maior estabilidade às coalizões e aprovação da agenda do governo. Resta saber se nenhum fato novo elevará os custos da governabilidade, assim como aconteceu com o governo anterior.

* O teste lambda (?), aplicado para verificar a associação entre as duas variáveis categóricas (se favorável ou contra a abertura do impeachment e se favorável ou contra à PEC nº 241/2016), apresentou o valor de 0,459 no primeiro turno e 0,453 no segundo. Acima de 0,30 a relação é considerada forte.

Vítor Sandes é doutor em Ciência Política pela UNICAMP e Professor Adjunto da UFPI.

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