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A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

A solidariedade política

 

Por Humberto Dantas
Atualização:

Tem gente comemorando a possível e provável saída de Dilma Rousseff da Presidência da República. Dado o esgarçamento político da atual mandatária e a falta de confiança em nossa economia, pode ser que exista um espaço mínimo de tempo para um "novo" governo se reorganizar. Se for bem sucedido, vai ter gente dizendo que Temer era necessário. O senso comum tende a simplificar, mas que fiquem claros dois pontos bastante relevantes: o lado que desembarca investe na tese de que um golpe está sendo dado no país, e quem é golpeado não tende a vender barato a posição, o que representa que resistências em diferentes graus são esperadas; o segundo ponto é compreender o que de fato ocorrerá com o incomum ativismo da justiça, pois, se arrefecer, teremos sentimento mais efetivo de golpe e, se mantiver sua ação no nível atual, será improvável falarmos em apaziguamento de parte da crise política. Uma vez que as principais lideranças do PMDB estão atoladas até quase o pescoço em diversos processos - alguns deles correndo em segredo de justiça.

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Para além disso, enquanto criticamos com razão o balcão de negócios construído pelo PT e protagonizado por Lula num hotel em Brasília, não podemos deixar de criticar, um só instante sequer, as caravanas que estão sendo formadas para visitar Temer, e o quanto os partidos tipicamente governistas estão negociando abertamente suas posições. Individual ou coletivamente, é fato que estamos diante de um verdadeiro leilão. A centena de deputados da oposição perene e a centena fiel da situação não são páreo para quem de fato define o impeachment: um centrão fisiológico e carcomido pelo que existe de pior em termos de comportamento político. Não nos enganemos com discursos em nome de um país melhor vindo de legendas como o PP, o PR, o PSD, o PTB e tantas outras.

Nesse cenário, um partido parece capaz de desafiar o que existe de mais razoável em nossa política. Seu nome é Solidariedade, legenda que está no campo oposicionista. O partido nasceu em 2013 como uma dissidência de lideranças, sobretudo do PDT, capitaneada pelo sindicalista Paulo Pereira da Silva, ou Paulinho da Força Sindical. A estratégia para tornar a legenda forte se pautou em dois aspectos: aproveitou-se da "lei da portabilidade", que ofertou ao deputado federal infiel o direito de mudar de partido sem perder o mandato e levar consigo proporção de tempo de rádio e TV, bem como o quinhão no Fundo Partidário; e negociou a força de um grupo nacional com lideranças locais. À época de seu nascimento, o partido foi acusado, nos bastidores, de um "gesto genial": cada líder estadual, em alguns casos o próprio governador, enviou para o partido um ou dois deputados federais, e recebeu em troca, nas eleições de 2014, em suas respectivas coligações, uma legenda que tinha tempo de propaganda eleitoral equivalente a mais de 20 deputados federais. O estatuto inovou no caráter descentralizado do partido e ofertou aos parlamentares liberdades expressivas, incluindo a composição das alianças estaduais.

Esse mesmo Solidariedade reclamou, em abril, que o governo estava comprando votos para barrar o impeachment, oferecendo até R$ 2 milhões de reais. Enquanto isso, Paulinho responde por desvios de recursos no BNDES, e tem seu nome envolvido em uma série de acusações. Assim, o que de fato é o Solideriedade? A legenda que negocia apoio para nascer, ou que acusa para aparecer? Como pensar em ética partindo do pressuposto que Paulinho é um dos maiores aliados de Eduardo Cunha?

Para completar, essa semana o gesto maior que demonstra o compromisso da legenda com o decoro e a seriedade que o momento crítico do país demanda: o CORREGEDOR da Câmara dos Deputados lançou um bolão do impeachment. Com uma caneta vermelha e outra azul nas mãos, um sorriso no rosto, o orgulhoso capixaba Carlos Manato, do Solidariedade, arrecadava R$ 100 dos "apostadores" ao lado de Paulinho e cercado por jornalistas. Exatamente isso: a "nova política", "a crise que se aproxima do fim", o "instante de varrer o que existe de pior" é tocado adiante em tom de deboche por gente que não parece capaz de simbolizar outra coisa no país senão a velha política de sempre.

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