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A Ciência Política e um olhar sobre os Legislativos

A democracia não acabou com a queda de Dilma. Na verdade, ela nunca existiu.

O título deste texto é uma provocação clara ao leitor que está preso no binarismo do debate sobre o impeachment de Dilma Rousseff. Mas é preciso esclarecê-lo: todos os regimes representativos, entre os quais o da República Federativa do Brasil, estão distantes dos ideais de democracia.

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Por Vítor Oliveira
Atualização:

Isto porque os regimes representativos existentes são diferentes traduções de referências políticas e filosóficas com origens muito diversas, como a separação de poderes e entre o domínio público e o privado, bem como da capacidade que a maioria possui de impor sua vontade ao todo, contrastada a garantias e salvaguardas sobre as quais ela não está autorizada a intervir.

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Nosso governo é um arranjo pouco coerente de elementos políticos republicanos, democratas e liberais, os quais entram constantemente em choque entre si e com elementos aristocráticos e autoritários dos quais não conseguimos nos livrar, pela descrença ou falta de uma solução melhor. O voto é o melhor exemplo disso.

Acredito que estejamos diante desses choques, no atual processo. Choques constitucionais, não necessariamente democráticos.

Quando se referem ao golpe, os que defendem a presidente Dilma apontam para a ausência de provas e para a difícil sustentação da acusação de que o crime de responsabilidade foi cometido, mostrando que, se houve, ocorreu apenas dentro dos limites da denúncia. Sem estes elementos jurídicos, a decorrência do processo é a usurpação do poder do Demos, ou da maioria que a elegeu. Quando se referem à legitimidade do processo de impedimento, os que acusam a presidente resguardam-se nos aspectos formais do processo, que facultaram a Dilma Rousseff o direito à ampla defesa e ao devido processo legal, respaldada em decisões favoráveis ao curso do processo pelo Poder Judiciário.

Exatamente por não estarmos diante de um sistema político fechado, dotado de apenas um sentido e uma direção, há elementos justificados para ambas as partes, sustentando a infindável discussão entre diferenças na forma e no conteúdo do processo.

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Uma questão que fragiliza simultaneamente acusação e defesa é a ilusão quanto ao caráter jurídico do processo. O juiz do processo é o Senado Federal. Logo, o processo é político, tomado pela lógica partidária que comanda nosso governo representativo.

A forma do processo não garante diversos aspectos do devido processo legal, especialmente no que se refere às provas. Fragiliza a acusação por retirar a aura de imparcialidade e justiça. Não é justiça, é política. Mas também fragiliza a defesa quando esta reclama que o processo subverte a vontade da maioria expressa durante as eleições, dado que o Senado Federal, como corpo, possui tanta legitimidade quanto a presidência.

O Senado possui a competência constitucional de julgar a presidente, da mesma forma que a União possui o direito de ditar e organizar as políticas públicas dos entes federativos, sem desrespeitar a Constituição por causa disso. Não é o mesmo que dizer ser esta a solução mais democrática possível.

A legitimidade simultânea e concorrente do Legislativo e do Executivo costuma, inclusive, ser apontada pelos críticos do presidencialismo como uma das causas de sua vocação para a instabilidade sistêmica. Quase um erro, visto que a forma (presidencialismo) não define o funcionamento do sistema.

Outro problema quase onipresente neste debate. Presidencialismo é o nome fantasia do sistema, não seu princípio ativo. A tal instabilidade não foi constatada nas últimas décadas, mas pode ser exacerbado pelo uso constante do impeachment como mecanismo de alinhamento da preferência política majoritária no Legislativo ao Executivo.

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Vítor Oliveira é graduado em Relações Internacionais e mestre em Ciência Política, ambos pela USP, e sócio e diretor de conteúdo da Pulso Público - Consultoria Política.

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