Rede, a travessia de seita a partido

As dificuldades da ex-senadora Marina Silva para obter o registro do partido com o qual idealiza concorrer à Presidência da República - a Rede Sustentabilidade-, são indicativos do amadorismo que caracteriza as ações de seu grupo, até certo ponto compreensível, embora à frente da empreitada, além da própria Marina, estejam perfis com razoável rodagem política. Marina desperdiçou dois anos preciosos antes de decidir pela fundação do partido, tempo que lhe custa o estresse atual.

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Por João Bosco Rabello
Atualização:

O que mais importa na fundação de um partido - e certamente o que busca a legislação - é a comprovação de sua representatividade, da qual as assinaturas são apenas parte. Parece não haver dúvida de que os 26% de aprovação de seu nome nas pesquisas, refletem essa representatividade, mas é exatamente por tê-la desde a última eleição presidencial que torna questionável atribuir aos cartórios eleitorais a responsabilidade pelo eventual revés na obtenção do registro a tempo de concorrer em 2014 com sua própria legenda.

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É importante que Marina tenha êxito no esforço de concorrer pela Rede, mas a frustração dessa meta não a impede de disputar as eleições de 2014. Do que surge uma nova relação de causa e efeito falsa: do registro do partido não depende sua candidatura, embora seu insucesso adie a formação da estrutura idealizada, que fundamenta a sua criação, a que chama de " uma nova forma de fazer política".

O registro do novo partido não parece o maior problema de Marina, uma vez que não a exclui da disputa. Seu maior obstáculo está na dificuldade de se mostrar para além da porta-voz do setor ambientalista, povoado de ONGs, poucas delas efetivamente conhecidas pela população e cujos financiadores, vínculos de origem, composições e prestações de contas não são exibidos com a transparência cobrada aos partidos tradicionais, rejeitados para alianças pelo alto teor tóxico.

Daí que a  exceção à regra é um mau começo para quem reivindica papel inovador, se auto-proclama o novo, puro e imaculado que junto à defesa da democracia direta, mantém o partido com ares de seita, além de ambíguo por lutar para entrar no sistema representativo que contesta.  A inovação necessária e reclamada hoje na política brasileira é de costumes e não de forma, embora esta evidencie a necessidade de aprimoramentos que a torne adequada aos novos tempos.

São questões que impõem reflexão ao partido novo, principalmente se considerado que o índice de 26% registrados nas pesquisas reflete muito mais a insatisfação do eleitorado com mais do mesmo, do que uma adesão aos compromissos e princípios defendidos pela Rede. Sem uma atitude madura que concilie esses princípios - ainda pouco claros e conhecidos -, será difícil remover o comportamento reticente da maior parte do eleitorado e a desconfiança de investidores e empresários fomentadores da economia nacional.

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O segredo de Marina Silva sobre os financiadores de seu projeto,  revela  sua dificuldade em assumir uma relação direta com seus patrocinadores, além de pôr sob suspeita o repúdio que vocaliza contra os tradicionais financiadores de campanhas - e a própria defesa de mudança no modelo de financiamento eleitoral. O custo de R$ 800 mil, até o momento, para oficializar a legenda remete ao tema, pedindo a transparência quanto ao apoio  econômico ao projeto.

Mais cedo ou mais tarde essa cobrança será vigorosa, especialmente se esse respaldo tiver em ONGs seu pilar central. Se assim o for, precisará ficar clara a origem dos recursos das ONGs patrocinadoras, quem ou o que representam, bem como o trabalho que desenvolvem no país e a legalidade de seu apoio material. A vinculação dos recursos da Rede a ONGs é suposição legítima, dada a identidade ideológica e a militância  que as associam, em grande parte, à plataforma ambiental de Marina.  Somada ao repúdio da candidata ao mercado tradicional, é um raciocínio que fecha e precisa de respostas.

Em algum momento, a ex-senadora precisará se aproxima efetivamente desse mercado que  tenta associar exclusivamente aos demais partidos. Sua situação hoje, guardadas as proporções históricas e de intensidade, é análoga à de Lula, em 2002, sob a ótica da desconfiança do mercado. À época também o Real se desvalorizou e o dólar disparou, entre outros motivos, por uma crise de expectativa.

O mercado financeiro funciona com base nas expectativas. Como Marina é atualmente favorita ao segundo turno, e pode ser a maior beneficiada pelos protestos sociais, é natural que o mercado volte suas atenções para ela e perceba que dela conhece muito pouco, tendendo a reagir defensivamente. Sua maior clareza em relação ao momento econômico, que saídas pretende oferecer, numa atitude mais explícita, poderia representar, ao seu modo, a sua versão da Carta aos Brasileiros.

 

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