Obras irregulares: intervenção garantiria continuidade

A reclamação - mais um protesto -, da presidente Dilma Roussefff contra o Tribunal de Contas da União (TCU) reabre uma discussão iniciada a partir do governo do ex-presidente Lula, mas cuja motivação é bem mais antiga, sobre a competência daquela Corte para decidir sobre a paralisação de obras públicas.

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Por João Bosco Rabello
Atualização:

Na visão do Executivo, qualquer que seja o governo da hora, o TCU excede suas atribuições ao ir além da fiscalização e arbitrar a suspensão das obras.

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É uma situação delicada, de fato. Se pensada sobre o interesse do contribuinte, a lógica indica como melhor caminho a suspensão daquele empreendimento em que se detectou fraude, desvio de recursos públicos, ou qualquer tipo de irregularidade afim. Constatado o malfeito, nada mais elementar que suspender a obra para cessar a sangria, eleger-se responsáveis e aplicar-lhes o devido corretivo legal.

Aparentemente, é esse o procedimento mais saudável. No entanto, outro raciocínio vai encontrar um triplo prejuízo ao contribuinte: o roubo, materializado em superfaturamentos, que subtrai recursos ao Erário, a paralisação do investimento já inciado, que geralmente acabará por duplicar seu valor final, e mais a obra inconclusa que deixará de beneficiar a comunidade para a qual se destinaria.

Não é só, portanto, uma perda política para o gestor da hora, foco habitual da crítica, da condenação e nem sempre da punição. O prejuízo é bem maior para o cidadão, sob todos os ângulos abordáveis do problema.

Ao mesmo tempo, registrar a ocorrência do crime e tocar a vida como se nada houvera, é inadmissível. Esse é o estágio do impasse em torno do problema, que parece sem solução, a não ser a espera pelo dobro ou triplo do prazo para entrega da obra a um custo também multiplicado nas mesmas proporções.

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Sem enfrentar o problema, qualquer governo ficará refém desse ciclo de ineficiência cuja cadeia de efeitos atravessa a fronteira doméstica e se insere no contexto do custo Brasil - expressão que resume o conjunto de obstáculos a explicar parcialmente o comportamento arredio do investidor.

O problema não está na fiscalização, portanto, que é o antídoto protetor do dinheiro público - pelo menos, em tese. Está, como sempre no Brasil, na morosidade do desdobramento do processo a partir do embargo da obra.

Essa constatação é que leva o governo a questionar a alçada do TCU para a suspensão. Para o Executivo, o tribunal cumpre sua missão ao exercer seu papel fiscalizador , indicando o problema. Se dada por certa a tese, o que viria depois da constatação da fraude ?

O conflito é agravado pela composição do TCU, uma corte vinculada ao Poder Legislativo e integrada em sua maioria por parlamentares, ex-parlamentares ou por indicações determinadas pelo interesse político.

É um tecido judicial vulnerável às acusações de manipulação política, embora teoricamente diagnósticos ali produzidos devam necessariamente se fundamentar em números precisos. Mas, na prática, essa aparente defesa do sistema é também permeável a distorçoões, se assim hipoteticamente tencionasse a Corte ou parte dela.

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Apenas para exemplificar, com base na atual composição do TCU, como seria possível contestar uma eventual acusação de comportamento político da ministra Ana Arraes, mãe do governador Eduardo Campos, a partir de um parecer por ela assinado contra uma obra federal que venha a render dividendos a políticos adversários?

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Não se trata de pôr sob suspeita a ministra, que trocou o mandato parlamentar pelo assento no tribunal, mas de ilustrar, com uma hipótese factível - a de uma eventual acusação -, que não caberia apenas nela, mas em outros componentes da Corte.

Pode-se argumentar que o governo já demonstrou que não é só a ação do TCU que gera paralisia ou atraso em obras importantes. A flexibilização da Lei de Licitações, com a implementação do regime diferenciado, está aí a escancarar a incompetência de gestão como fator relevante do atraso do Brasil no campo da infraestrutura.

Afinal, o regime facilitador justificável como instrumento indispensável à aceleração de obras essenciais à Copa do Mundo de 2014 e às Olímpiadas de 2016, desmoralizou seus defensores: a sete meses da Copa, o País vive um gargalo de característica modal, com portos., aeroportos e rodovias em estado crítico.

Mas tal constatação não elimina a necessidade de enfrentar o conflito entre TCU e Executivo, que se estende a Estados e municípios com os tribunais de contas análogos ao federal. O problema continua sendo mais um a obstruir o desenvolvimento.

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Assim, a solução parece estar numa medida intermediária entre a suspensão da obra flagrada em irregularidades e a sua simples continuidade em nome do interesse público.

Um mecanismo interventor, como acontece no sistema bancário ante a ameaça de quebra de uma instituição financeira, que preserve o interesse do contribuinte em primeiro lugar - a cessação do desvio sem a paralisação da obra.

Vale mais a intervenção sobre a gestão do empreendimento, como ação a se obter em curto prazo,  do que a reconceituação do TCU como corte de composição política, para ser integrada estritamente por técnicos, o que não permite previsão de prazo para acontecer - se acontecer.

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