O vácuo corrosivo da inércia

Acuado pela continuidade do desgaste político responsável pela eleição mais apertada desde a primeira vitória de Lula, em 2003, o governo do PT ainda não encontrou o discurso mais adequado ao momento de crise política e econômica que marca a véspera do início formal do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff.

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Por João Bosco Rabello
Atualização:

Por isso, prossegue no equívoco que combina inércia de gestão e narrativa eleitoral. É um paciente em estado grave que protela o tratamento contra a metástase, ao adotar um ritmo protelatório nas ações relativas à economia, enquanto concentra seu foco na tentativa de atenuar os danos políticos com origem no cenário de corrupção sistêmica que implantou nos 12 anos de poder.

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Se a tentativa de politizar a crise pode ajudar a reduzir o impacto da ferida aberta com o avanço das investigações de corrupção na Petrobras, é igualmente certo que mantém o governo no palanque, onde criou um enredo fictício que agora precisa ser justificado. É, pois, desgaste político do mesmo jeito.

Os discursos da presidente Dilma Rousseff no exterior e de seu ministro da Justiça, no Brasil, José Eduardo Cardozo, indicam a opção pela insistência na tática de pluripartidarizar a corrupção no país e de acusar a oposição de promover o terceiro turno eleitoral. Não melhora a situação do governo, assim como a teoria conspiratória com a qual o PT enfrentou o mensalão não evitou a perda de capital político do partido.

O desdobramento das investigações na Petrobras desfez amplamente a versão do PT para o mensalão, ao exibir com clareza que os dois escândalos têm a mesma fonte: um esquema de desvios de recursos públicos para financiamento de um projeto político de permanência no poder, que assim já fora classificado pelos ministros que julgaram o mensalão.

Se, pelo menos, esse discurso político caminhasse paralelamente a uma ação de governo condizente com a expectativa criada com o segundo mandato, poderia se ter uma combinação válida. Mas a presidente adia as providências que possivelmente tem em mente, agravando a impressão geral de que o país está sem rumo e de que ela própria passou a viver em um labirinto impenetrável.

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A crise é principalmente política, agravada pela economia. E tem origem no sistema partidário, mas também na conduta das lideranças políticas que se permitiram extrapolar todos os limites éticos e legais para a preservação do status quo que insistem em preservar.

Se assim é, a presidente tem uma oportunidade para constituir seu novo ministério com mais liberdade deixando aos partidos o ônus que lhes pertence de conviver com o suspense e a incerteza quanto ao futuro das investigações na Petrobras, que não esgotam a pilhagem nas empresas públicas.

Compartilhar a espera com as legendas é abraço de afogados. Pelo menos no âmbito da economia, a presidente precisa se beneficiar da crise que as investigações impõem ao universo partidário, para se fortalecer desde já.

A percepção de que o PT já se conforma com a indicação de um nome técnico para presidir a Petrobrás é sintoma claro de que o partido começa a se dobrar à realidade e indica à presidente espaço para exercer a autonomia na montagem de sua equipe econômica.

Em relação à própria Petrobras, Dilma perde precioso tempo para mostrar reação às investigações, adiantando-se à inevitável etapa de expurgo e renovação de seus quadros dirigentes, iniciando o processo de reabilitação da estatal, que começa pelo resgate de sua credibilidade.

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Este, promete ser longo e penoso, por isso mesmo quanto mais adiado, pior fica. A solidariedade à empresa, em favor de sua imagem e da preservação de sua história, vira corporativismo se desacompanhada de uma demonstração inequívoca de empenho pelo seu saneamento.

A Petrobras precisa ser devolvida à sua competitividade, sem romantismo, corporativismo e populismo - uma receita que só visa a proteger o PT das consequências de um sistema de corrupção que montou com método e paciência.

Por ora, a presidente permanece em seu labirinto, com manifestações espasmódicas na linha do palanque, mesmo já reeleita. Indiferente ao princípio de que em política não existe vácuo. Alguém ocupa o espaço, como bem demonstra, no campo congressual, o líder do PMDB, Eduardo Cunha.

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