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Memória e futuro

Para garantir sua eleição, o ex-presidente Lula assinou o compromisso público conhecido como Carta aos Brasileiros, na qual se comprometia a não alterar as reformas de seu antecessor que deram ao país a estabilidade econômica, tentada em planos anteriores.

Por João Bosco Rabello
Atualização:

O país que elegera Fernando Henrique Cardoso duas vezes, queria mudanças, mas sem riscos, como experimentalismos que revivessem a inflação. Os mercados sinalizaram seu temor com a eleição do PT, retirando investimentos e agravando um quadro econômico atingido pela crise asiática.

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O compromisso de Lula deu certo, não apenas pela sua formalização, mas pela prática que o referendou. Com um presidente do Banco Central acreditado nos mercados interno e externo e um ministro da Fazenda que funcionou como um obstáculo às pressões do PT pelo descumprimento da Carta, o governo Lula significou, no plano econômico, uma continuidade.

Da mesma forma, seu segundo mandato manteve o clima de confiança entre governo e mercado, com investimentos e ampliação do assistencialismo social. Lula trocou o ministro da Fazenda, por imposição de um escândalo que o afetou, mas predominou no rumo econômico de seu governo a linha do BC, ditada por Henrique Meirelles.

O ministro da Fazenda escolhido por Lula para suceder Antônio Palocci, foi o mesmo Guido Mantega que está no cargo até hoje, mas nem por isso, a gestão econômica foi alterada substancialmente, ou seja, nos seus fundamentos, o que permitiu ao ex-presidente deixar o cargo com a economia sustentando uma popularidade de 80%.

Meirelles e Palocci atuaram em dobradinha, mas naquela ocasião, entre os críticos da política econômica que pressionavam pela sua revogação, estava a então ministra-chefe do Gabinete Civil, Dilma Rousseff, que publicamente classificou o modelo de "rudimentar".

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Dilma recebeu o governo com a economia pior do que já fora na fase de seu antecessor, mas ainda assim, sólida e confiável aos investidores. Parte da piora se deveu aos custos de sua eleição. Desconhecida, um "poste" no linguajar eleitoral, Lula não mediu limites para elegê-la, embora deixasse a conta para que ela equacionasse.

Herdou também o ministro da Fazenda, que manteve no cargo. Mas a gestão econômica passou a ser sua, o que dificultou a mudança do ministro quando as coisas começaram a dar errado. Instada por Lula a trocá-lo, Dilma recusou a sugestão e manteve a tensão entre governo e mercado.

A ideia era sinalizar aos empresários e investidores que osa fundamentos do Plano Real não seriam mais alterados, que estava finda a fase de experimentalismo de seu governo, mas a presidente não quis assim. Fez dos discursos a única concessão ao mundo empreendedor: neles, mostrava-se mais ortodoxa do que na prática, mas sem passar um pingo de confiança.

Sua recusa em mudar o ministro da Fazenda foi interpretada corretamente como uma sinalização clara de que a ministra da economia era ela própria. Sacrificar o ministro seria inútil, já que dele não emana a diretriz de governo para o setor.

A permanência de Mantega agravou a desconfiança do mercado - e até a sua desistência do governo - , menos pelas convicções do ministro e mais pela certeza de que sua remoção não alteraria nada. Se a política é da presidente, o substituto não teria força para se impor. Se tivesse, como Henrique Meirelles, por exemplo, conforme sugerido por Lula, ela teria de abdicar do comando econômico, hipótese mais que remota, fictícia.

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Sem que as pontes tenham sido refeitas com o mercado, os investimentos permanecem longe , a estagnação econômica se agrava e resta à presidente conversar com o mercado após as eleições de outubro. Tarde demais, reconduzida ou não ao cargo, que deixará apenas em janeiro em caso de derrota.

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A memória vem a propósito de lamentações de setores do PT e da base aliada que ainda consideram que a sugestão de Lula viera a tempo de reverter o clima de desconfiança em prazo conciliável com a estratégia de criar um clima otimista com efeito nas eleições.

Henrique Meirelles continua na praça, como dizem alguns, não foi aproveitado em nenhum contexto eleitoral e, agora, é mencionado como futuro secretário de Fazenda de São Paulo em eventual governo do PMDB, em caso de vitória do presidente da Fiesp, Paulo Skaf.

Meirelles não foi, de fato, lançado a nenhum cargo eletivo por nenhum dos partidos que namoraram sua candidatura. Mas todos - PSD,PSDB e PT - se valeram de seu perfil para acenar ao mercado com o retorno dos bons tempos da economia.

Outra não era a intenção de Lula ao pressionar Dilma para que o trouxesse de volta ao governo como forma de resgatar a confiança do mercado, freando o processo de corrosão das relações entre este e o seu governo.

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Mas, para isso, Dilma teria de abdicar de suas convicções na gestão econômica, o que jamais faria, conhecido seu perfil assertivo. Por isso, a equação não fecharia e, em consequência, em nenhum momento o mercado deixou de manter-se cético quanto ao êxito do governo.

 Na hipótese de reeleição da presidente Dilma, os atores políticos e econômicos se perguntam o que autorizaria a perspectiva otimista de uma mudança nas relações entre governo e entes econômicos, se o comando da economia continuará centralizado na chefe de governo.

A discussão econômica na campanha, portanto, não passa apenas pelas propostas da oposição de mudanças e resgate dos fundamentos do Plano Real, como até aqui tem ocorrido.

Também é preciso que a candidata do governo, eixo natural da campanha, apresente não apenas suas idéias, já conhecidas inclusive nos seus resultados, mas o que muda - se muda - em um eventual segundo mandato.   Se será mais do mesmo, ou deve-se esperar mudanças.

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