Fraquezas dissimuladas

O discurso do pessimismo, ao qual recorre agora a presidente Dilma Rousseff, frequentou a tribuna de quase todos os presidentes da República. O que o caracteriza é a falta de conteúdo para enfrentar as críticas, fazendo das respostas do governo uma peça genérica, cujo sentido é tangenciar as questões mais objetivas.

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Por João Bosco Rabello
Atualização:

Geralmente coincidem com as campanhas eleitorais que, por sua vez, marcam finais de governo. É o chamado "fim de festa", quando o ônus de reeleger-se leva o governante a uma gestão basicamente discursiva ante à falta de tempo para produzir qualquer fato novo que compense o desgaste natural do fim de mandato.

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A fotografia do governo Dilma nesse momento é uma reprodução desse cenário, do qual seu antecessor imediato foi exceção. Lula, no entanto,recorreu ao expediente no auge da crise do mensalão, quando teve seu mandato ameaçado, e lançou mão da teoria conspiratória da qual o PT fez método.

Fim de festa não significa necessariamente fim de governo, especialmente quando se tenta a reeleição, mas é um momento em que se troca o festejo do Poder pela concentração na estratégia de preservá-lo, um instinto de sobrevivência inerente à atividade política. É a hora de reunir energias para o que se impõe como prioridade máxima: a continuidade.

Vale tudo nessa hora, como disse a Presidente ao mencionar que em eleição "faz-se o diabo". A dissimulação da realidade se insere nesse contexto e salta aos olhos no discurso de ontem da Presidente nas comemorações dos 34 anos do PT, em que se transfigurou na mais aguerrida versão da "companheira" a vocalizar a defesa de todas as posições do partido - menos a do mensalão,  ônus do qual se desincumbiu Lula na véspera.

Dilma escolheu a linha de discurso que reafirma a lealdade ao partido e , ao mesmo tempo, contorna as dificuldades de relacionamento que separa a presidente da legenda. Com a veemência indispensável ao ator político, chamou de "agressão" e "mentira" o diagnóstico de seus críticos, que dá por esgotado o modelo de governo petista.

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A expressão "cara de pau", com a qual brindou os críticos, identificou o sujeito oculto do discurso, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, ex-aliado que incomoda exatamente por ser um candidato dissidente. Mas Campos não está só na avaliação negativa do governo, especialmente na economia, onde repercute os diagnósticos de especialistas e do mundo empresarial.

O que obrigou a Presidente a sustentar que sua gestão mantém o chamado tripé macroeeconômico, de câmbio flutuante, superávit primário e metas de inflação - herdado da gestão de Fernando Henrique Cardoso-, mais como tática para agradar ao mercado e menos como propósito, pois de fato afrouxou as rédeas desse mecanismo.

Sabe-se que tema e ênfase são selecionados pelo critério de proteger o lado mais vulnerável. Do que se extrai do discurso da presidente que a economia está pior do que o governo vende, o PT nunca esteve tão frágil, os fundamentos do Plano Real foram flexibilizados, Eduardo Campos e Marina Silva são competitivos e o segundo turno parece inevitável.

De tudo resta ainda a confirmação da fragilidade de Dilma na relação com o PT, o que a submete ao partido mais do que gostaria. Não fez defesa dos mensaleiros e nem criticou o Supremo Tribunal Federal, mas permitiu-se ouvir obsequiosamente o presidente do PT, Rui Falcão, acusar a Suprema Corte de fazer "terrorismo de Estado".

Segundo Falcão, ao lado da Presidente, ministros do Supremo "prejulgam insultando", suspeitam caluniando", agridem com gratuidade espantosa", transformando-se de Corte em partido político. É a defesa dos mensaleiros,em forma de ataque aos que os condenaram - a velha tática de desqualificar a acusação.

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Em tempos de índices de aprovação sólidos, a presidente estabeleceria as condições para sua participação em evento partidário, entre as quais a de não ser submetida a manifestações que possam comprometer seu compromisso institucional de preservar a harmonia e independência entre os Três Poderes da República, um dos quais preside.

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